quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

O dia que sucede o dia de Natal

O sol está a nascer.
Flutuo em câmera-lenta
Através do crepúsculo,
Que propondo ter
A vontade proto-sonolenta,
Faz lembrar o dia em cúmulo.

A brisa peca em se tornar vento.
Enquanto há vida, peca a semente
Por não germinar necessidade.
Não há melhor rega que a tarde.

Ainda ontem Jesus Cristo nasceu,
E eu - tão montado na aparente
Falta de cuidado consumista,
Falo da Natural causa do Tempo.

O Senhor, quando o quiseram matar,
Ainda era jovem e tinha tudo a dar.
Faltava a vida, que passando a deu.

sábado, 21 de dezembro de 2013

Menino da Lágrima

Tenho um quadro no meu quarto.
Um menino chorando: dizem ser cigano.
De vez em quando olho perplexo,
Então pensando: menino, porque estás chorando?

Ele, a tela, nada me diz; que é um quadro.
Então resolvo: se, como dizem, és cigano,
Mas estás pintado, porque te desenharam chorando?
E cada vez me interrogo mais.

Continuo em pé, fitando a obra do menino chorando.
É quando me vem ao pensamento que ao menino,
Sereno e composto, há de ter sucedido algum tormento.
É que o cigano chora desde que me lembro!

Levo a mão ao queixo, eu filósofo aprendendo:
(Então infiro que deitei tudo a perder).
O tom castanho confere o Outono artístico
E a leve pincelada nos olhos esbugalhados
Dão a certeza que o hábil pintor não sabia

Ao certo porque estava o menino chorando.
Quem tem certezas tem mão firme a pintar.
Talvez o artista, vendo seus sonhos caírem
como folhas fracas, resolvesse chorar na

Tela através do desespero do cigano,
Aparentemente calmo e contraditório.
Vim a saber afinal que o menino chorando
Rendeu bem pelos sonhos do pintor.

Acessório

São quase três horas.

Todo o consequente raciocínio
Que existe nas coisas reais,
Cansado de se chamar assim,
Inventou a fantasia e passou
A chamar-se imaginação:

Como o Chapéu de Infante,
Anos em conquistas Africanas,
Voltou a Portugal séculos depois
Na forma do Chapéu de Pessoa,
Este agora ficção da Grande Portuguesa.

Ou até a Pala Camoniana,
Esta outrora perdida na Batalha
Cansou de tapar-olhos e
Voltou séculos depois
Para destapar mentes.

Já não há realidade
Que queria ser parte da fantasia:
A definição de tudo está
No detalhe empregue em nada.
Ninguém quer o que ninguém quer.

Como já passa das três da manhã...

sábado, 14 de dezembro de 2013

Um banano para o Portas e um copo de água para os Gato

Os Gato Fedorento regressaram ontem à noite ao horário nobre da SIC depois de anos a aparecerem como reduto da publicidade da PT/MEO. Este contrato pode bem ter assegurado o futuro de umas três gerações de Quintelas, Pereiras, Góis e Dores (talvez os Pereira tenham sido os mais favorecidos pela publicidade milionária), mas o que é certo é que cada vez se notava mais um certo cansaço do público por os ver neste formato.

A verdade é que quando o programa "A Solução" começou e vi o plano a aproximar-se do conhecido quarteto, a minha alma saltou um aplauso efusivo. A última vez que os tinha visto juntos a fazerem comédia independente foi no Esmiúça os Sufrágios - e se na altura, na minha tenra idade, eu não atingia ainda o patamar ideológico dos assuntos que abordavam, mal podia esperar por este divertido comeback, cujo conteúdo - a crise e a sua solução - já faz parte do meu universo intelectual.

Talvez o momento mais divertido, que em parte se deve ao
tom empregue pelo Ricardo.

O ressurgimento destes cómicos sujeitos durou apenas 10 minutos, o que me soube a pouco. Não entendi muito bem o modelo que apresentaram; não sei se pretendem começar a aparecer periodicamente nos ecrãs portugueses, na medida que "A Solução" serviu de introdução ao seu novo estilo, ou se foi apenas uma única vez para matar saudades. O conteúdo, porém, foi mediano e confesso que não me surgiram muitos sorrisos no rosto ao longo da metragem: talvez por não estar muito familiarizado com o legado de Steven Seagal, ou mesmo devido à aparente falta de sub-contexto nas piadas apresentadas.

Pareceu-me um humor longe dos bons tempos inteligentes e subentendidos da RTP e da SIC Radical, em que o formato de sketches proporcionava um tom hilariante a temas reais e fictícios. Agora, utilizaram um actor acabado cujo sucesso longínquo se prendia ao velho paradigma do herói solitário que enche de porrada os seus vis opositores - metáfora utilizada pelos Gato como forma de solucionar a crise, sendo o nosso demoníaco Governo o vilão desta rábula modestamente divertida.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Sinfonia

Na rádio das duas da manhã,
Tocando música e eu pensando,
Deitado na dormência que tarda,
Começa breve a imponente sinfonia.
Ao meu penado pensamento,
Tão calmo, tão sereno, tão lento,
Muda o ritmo de tempo a tempo.
Cada compasso que vem
Prolonga o que o antecedeu,
E cada nota pausada continua
Do tom perpétuo separada.
Cada lírica por mim criada
É devastada pela nona sinfonia
Deste alemão outrora prussiano.
Não me engane, Ludwig van.

domingo, 1 de dezembro de 2013

Serei

Sei bem o que sou, o que quero,
O que tenho e o que espero.
Nada mais que a vontade tua
De tirar a roupa toda, sendo nua

Na malha do inverno português.
A tua sensualidade, nessa nudez
Presente, e eu carente de esperar,
Faz de mim bom rapaz a chegar

À prisão do velho, à qual pertence
Qualquer desejo e outra essencial
Medida do que só há em Portugal.

Serei a raiz do bem portucalense,
Da nudez audaz da rapariga serena,
De qualquer confusão torta e amena.

domingo, 17 de novembro de 2013

Decadência

Tenho medo.
Sou fraco.
Inútil.

Sou
Intemporalmente
Desamparado.
Continuamente
Desajustado.

Não tenho fé em mim
E qualquer dia morro.
Parece que morrer faz falta
Para que acabem os contínuos,
Os perpétuos e os intemporais.
Mas morrer é um bem que não calha a todos...

Fui de mim o que não queria ser,
Fingindo não querer ser alguém.
Mas nada é isto, nada é o tempo.

Seremos somente o significado
De haver tantos medos inúteis.

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Nunca precisei de ninguém para ser quem sou.
Tudo o que fiz em nada prejudicou os outros.
Ainda assim olho para mim como a causa natural
Dos desastres sociais ou das discordâncias globais.

Eu, que tão pequenino sou e que nada significo,
Posso mudar o mundo ou o mundo dentro das pessoas.
Com a minha insignificância suprema,
Entretanto aumentada, só erro de consciência limpa.

Mas que importância tem o Universo e tudo?
As crenças das pessoas são mentiras verdadeiras.
Tudo o que há e não se vê é inventado pela Verdade.
Essa, que é falsa, não existe mas é real.

Tudo o que é idealizado é real.
Toda a mentira existe.
Só a verdade é ficção.

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Poema colectivo

Se eu pudesse, ai se eu pudesse!
Ver em ti qualquer lógica, em tudo igual!
Em analisar o caos receber amor eterno,
em provocar a desordem receber respostas analíticas.

Percebo qualquer coisa de ti em nós,
mas que é isto que não tem dor nem voz?
O cão vadio da rua da minha namorada
tem mais amor à vida do que ela a mim.
O que me importa de verdade é possuir
maldade em ver com olhar mentiroso o sentimento perdido,
as caixas de amor negro engolidas,
as espirais contínuas de querer parar entre as pausas.

Mas ai, ai de mim, ai por Deus e tudo o que nada é!
Se encontro alguém parecido com a minha namorada,
alguém que segure a Terra na órbita dela e ela que diga
em vão ser tarde para amar quem nunca amou!

Mundo, Universo, Lua Cheia de rímel e abcissas,
existem na possibilidade de quererem ser.
Perdem a vontade ao entenderem que nada disso
é real, a projecção do homem, a minha namorada,
e quem nunca acabou por acabar o caos e a Verdade.

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

Feels

Be good my little son.
Our hope. Our fortune.
Leave, but don't.
Listen carefully and learn
how life twists and turns.

But close your eyes.
Be brave and fearless
and make yourself a fool.
Like this, son, you'll never lose.

Hung on the rope tight.
To love is to die, you'll see.
Leave, listen and learn.
You'll be a man.

Be sound, little child.

domingo, 22 de setembro de 2013

Saber

Ao olhar pela janela do quarto
enquanto todo aquele luar
me observa no infinito
céu luzidamente ponteado,
conservo o sentimento
de que nada do que vejo
é, foi, ou será, real.

Que a lógica do meu olhar
se revê na profissão do
meu incapaz raciocínio.
Olho impotentemente.
Sei que tudo o que vejo
se estende no infinito,
esse que tão quantificado é.

O que é, na verdade, isto tudo?
A Lua é aqui ao pé.
As estrelas não são sonhos.
A noite está viva porque o dia
veremos surgir por entre ela.
Humilhante é não saber nada.
Basta viver e ficamos logo a saber.

Eu, que sei saber algo,
mas que na escala 
do conhecimento o que sei
não passa de menos que tudo,
fico interessado em querer
aprender o que ninguém
me poderá um dia ensinar.

Mas o céu parece tanta coisa.
Todo o Universo estendido
parece mais infinito que o infinito.
E ainda assim acaba eventualmente,
ainda assim ninguém o sabe.
As luzes não são de hoje,
a poeira morta estelar está fria.

Cá na Terra imitamos as estrelas,
e a luz dos candeeiros de rua que
a janela do meu quarto deixa entrar,
por estar entreaberta na frescura
da brisa luminosa, pode já ter sido
luz de uma estrela que se apagou,
pode ser a luz que já me iluminou.

Tudo se apaga. Até o que não tem luz.
Fico a saber pelas notícias
da morte de um ilustre filósofo
que era professor e doutor.
Ele sabia que se ia apagar,
como as estrelas e o céu diurno.
Sabia tudo isso e sabia não saber.

A realidade de saber
tudo o que é real é tão
impossível como projectar
algo curvo na imaginação.
O infinito não existe.
Os números não acabam
porque nem chegam a começar.

Para tudo o que se olha
ficamos a aprender algo.
E enquanto não aprendermos
que o olhar acaba no desejo
de conseguir ver alguma coisa,
nada mais saberemos senão
as filosofias de não saber nada.

sábado, 21 de setembro de 2013

Nunca nos nossos sonhos

Nunca nos nossos sonhos
se vê a vida em pleno vivida.
Aquela que se espera
é a maior e mais bonita;

Aquela que temos
é o sonho que não queremos.
Na dormência e na essência,
a vida serve para ser vivida.

Caso o cadáver seja frio
e a água esquente logo
na noite nua e infinita,

acaba-se a vida erudita
do nosso sonho,
da nossa deliciosa razão.

domingo, 15 de setembro de 2013

Resumo essencial das nossas vidas

Haja poesia! Haja dor e sofrimento,
sinestesia da cor e do pensamento,
translucidez da folha manuscrita
e aquele leitor atento à agonia bonita!

Qualquer homem é homem de ser,
qualquer coração é bandido do corpo,
sente e não quer sentir, amarra o querer
do intelecto e forja o saber lorpo.

Decadência moral, quarto sujo pintado,
enumerado sem sequência e habitado
entre quatro mulheres que escutam.
Decência imoral, trapézio triangular.

Mas o fundo não se vê e a claridade
vem sempre do céu acima de nós.
Desistir é cavar a sepultura dos desejos.
Persistir é abrir as nuvens que no céu brilham.

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

El Soneto

Com voz ténue
e olhar fincado,
ouve-se a passar
El Juan amado.

A chica te quer,
bonito e robusto!
Tens quase tudo,
Juan apaixonado!

Ao passar, que
passe sem falar.
Sem sequer olhar...

Ah, Juan! Tanta
é a vida que
já foi tua voz!

domingo, 1 de setembro de 2013

Bom dia

Difícil é sair de casa de manhã
e todos sorrirem para mim.
Em casa sozinho escrevo
e sou uma pessoa totalmente minha.
Fora sou estranho e fazem
sorrisos como se 'bom-dia'
fosse algo perpétuo e constante.

Os 'bons-dias' são para se acabarem.
Qualquer coisa má irá fazer
qualquer dia bom, mau ficar.

Os sorrisinhos por conveniência,
por si só, já são a causa do meu mau-dia.
Tudo é sombrio, nada claro,
nada vejo sem olhar,
pessoas a passar que não conheço,
pessoas que não conheço a imaginar.
Fora tudo o que se passa no meu dia.

Volto para casa ao fim da tarde.
Agora é de noite mas ainda vejo
qualquer coisa no jardim verde da cidade.

Crepúsculo incessante da minha tarde,
porque teimas em acabar o dia que foi mau?
Como se me sorrisses, terminando o pior,
dando esperança para que o mau dia sucessor
seja, afinal de contas, um bom dia,
sem sorrisos, sem pessoas desconhecidas passando.
Tudo o que é mau acaba. Tudo o que é bom é esperança.

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Tempo

A fúria incessante do relógio,
máquina histérica e indefinida,
agride fisicamente minha alma,
motivo de existência corpórea.

Aqueles ponteiros de seta
sanguinária, arremessos de
um guerreiro invencível,
esmagam o coração perdido

dos que perdem a corrida
fatalmente definida
pela condição de sofrer.

Pára, tempo, é hora.
Deixa a angústia desaparecer.
Vai-te por fim embora.

domingo, 18 de agosto de 2013

Soneto já antigo - Álvaro de Campos


Olha, Daisy: quando eu morrer tu hás-de
Dizer aos meus amigos aí de Londres,
Embora não o sintas, que tu escondes
A grande dor da minha morte. Irás de

Londres p’ra York, onde nasceste (dizes…
Que eu nada que tu digas acredito),
Contar àquele pobre rapazito
Que me deu tantas horas tão felizes,

Embora não o saibas, que morri…
Mesmo ele, a quem eu tanto julguei amar,
Nada se importará… Depois vai dar

A notícia a essa estranha Cecily
Que acreditava que eu seria grande…
Raios partam a vida e quem lá ande!


Ouvir declamação de Luís Gaspar

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Quem és tu que em mim apoias o olhar?
Juntas no colo sentado flores que lembram rosas,
mas não são rosas as flores que juntas no colo sentado.
Distas de mim quatro passos largos,
dados no soalho limpo de madeira importada.
A cadeira baloiça fugazmente, ficando parada
onde mais certa é a luz que lhe incide.
Tal luz, focada na figura que em mim apoia o olhar,
faz sombra a restante sala e apaga tudo o que não vejo.
Tal vermelhão em teu regaço lembra-me que olho a rosas,
tão únicas que se fossem outras flores não seriam rosas.
Tal momento faz a vida ficar eminente ao olhar perdido
em que me olhas, em que te olho, onde estás, afastada
de mim, baloiçando, na luz que te faz tudo no nada da sala.

sábado, 3 de agosto de 2013

Gato - Pablo Neruda

Que bonito é um gato que dorme,
dormir com as pernas e peso,
dorme com suas unhas cruéis
e seu sangue sanguinário,
dorme com todos os anéis
que como círculos queimados
constroem uma geologia
de uma cola cor de areia.
Queria dormir como um gato
com todos os pêlos do tempo,
com uma lígua de siléx,
com o sexo seco de fogo
e depois não falar com ninguém,
deitar-me sobre todo o mundo
sobre as telhas e terra
intensamente concentrado
em caçar as ratas no sono.
Eu vi como ondula o gato dormindo: correndo na
noite, no escuro, como água,
E às vezes eles cairiam,
talvez se enrolasse
nu em montes de neve,
cresce talvez dormindo
como um tigre bisavô
e salta para a escuridão
telhados, nuvens e vulcões.
Dorme, dorme gato noturno
com cerimónias de bispo,
o teu bigode de pedra:
ordena todos os nossos sonhos,
dirige a escuridão
das nossa proezas sonhadas
com o teu coração sanguinário
e largo pescoço e longa cauda.
Pablo Neruda

terça-feira, 30 de julho de 2013

Ao volante do Chevrolet pela estrada de Sintra - Álvaro de Campos


Ao volante do Chevrolet pela estrada de Sintra, 

Ao luar o ao sonho, na estrada deserta, 

Sozinho guio, guio quase devagar, e um pouco 

Me parece, ou me forço um pouco para que me pareça, 

Que sigo por outra estrada, por outro sonho, por outro mundo, 

Que sigo sem haver Lisboa deixada ou Sintra a que ir ter, 

Que sigo, e que mais haverá em seguir senão não parar mas
seguir?
Vou passar a noite a Sintra por não poder passá-la em Lisboa,

Mas, quando chegar a Sintra, terei pena de não ter ficado em Lisboa. 

Sempre esta inquietação sem propósito, sem nexo, sem 
consequência,

Sempre, sempre, sempre,

Esta angústia excessiva do espírito por coisa nenhuma, 

Na estrada de Sintra, ou na estrada do sonho, ou na estrada da vida …
Maleável aos meus movimentos subconscientes do volante,

Galga sob mim comigo o automóvel que me emprestaram. 

Sorrio do símbolo, ao pensar nele, e ao virar à direita. 

Em quantas coisas que me emprestaram eu sigo no mundo! 

Quantas coisas que me emprestaram guio como minhas! 

Quanto que me emprestaram, ai de mim!, eu próprio sou!
À esquerda o casebre – sim, o casebre – à beira da estrada.
À direita o campo aberto, com a lua ao longe. 

O automóvel, que parecia há pouco dar-me liberdade, 

É agora uma coisa onde estou fechado, 

Que só posso conduzir se nele estiver fechado, 

Que só domino se me incluir nele, se ele me incluir a mim.
À esquerda lá para trás o casebre modesto, mais que modesto.

A vida ali deve ser feliz, só porque não é a minha. 

Se alguém me viu da janela do casebre, sonhará:
Aquele é que é feliz. 

Talvez à criança espreitando pelos vidros da janela do andar que está em cima.
Fiquei (com o automóvel emprestado) como um sonho, uma fada real. 

Talvez à rapariga que olhou, ouvindo o motor, pela janela da 
cozinha

No pavimento térreo, 

Sou qualquer coisa do príncipe de todo o coração de rapariga,

E ela me olhará de esguelha, pelos vidros, até à curva em que 
me perdi.

Deixarei sonhos atrás de mim, ou é o automóvel que os deixa?
Eu, guiador do automóvel emprestado, ou o automóvel 
emprestado que eu guio?
Na estrada de Sintra ao luar, na tristeza, ante os campos e a
noite,
Guiando o Chevrolet emprestado desconsoladamente, 

Perco-me na estrada futura, sumo-me na distância que alcanço, 

E, num desejo terrível, súbito, violento, inconcebível,

Acelero …

Mas o meu coração ficou no monte de pedras, de que me desviei
ao vê-lo sem vê-lo,

À porta do casebre, 
O meu coração vazio,
O meu coração insatisfeito,

O meu coração mais humano do que eu, mais exacto que a vida.
Na estrada de Sintra, perto da meia-noite, ao luar, ao volante,

Na estrada de Sintra, que cansaço da própria imaginação, 

Na estrada de Sintra, cada vez mais perto de Sintra,

Na estrada de Sintra, cada vez menos perto de mim…

Álvaro de Campos - 1928

quinta-feira, 27 de junho de 2013

Inicialmente

Se tudo fosse poesia,
nada alma própria teria.
A condição do poeta
é ter alma nas coisas:
em cada alma; em cada coisa.

À religião da lírica
nada lhe é sagrado.
Tem os livros dos 
que fazem poesia
e a fé de quem lê alegria.

Mas na última estrofe
não faltam conclusões -
e por vezes uma abertura
que ao ler é fechada.
Se a poesia fosse alma, o mundo acabava.

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Romantismo bárbaro

Quero ser eu no máximo
esforço da razão perdida!
Esquecer a realidade,
tão curta quanto a medida
da cortina da vaidade.

Ser Miguel sendo Pedro!
Tomar a vida por emoções
e entregar a fúria Divina
ao desleixo puro das sensações.
Querer tomar arte por certa

e a ciência por dúbia sincronia.
Até ao fim de mim ninguém será
mais que qualquer História suma.
Serei, por agora, o que procura
desconhecer verdade alguma.

Desespero fechado

A unha que em meus dentes roça
já está gasta de muito pensar.
O olhar que olha defronte a nossa
parede branca ficou em lá chegar,

ao fim do pensamento, existente
na cor que em minha frente
se acumula e esquece que os avós
são pais e parente de todos nós.

Deforme-se a unha e o olhar!
A vida é tempo, comprido e atroz!
Veremos quem mais terá a pesar
na balança celeste, se eu, se nós.

terça-feira, 4 de junho de 2013

Poema radioactivo

No centro tudo é perfeito.
                                             Tudo é uno...
                                                                            Nada expira nem prevalece.

                Mas separa                                                                                  o rosto imaginado

                                                     Pesa-me
                                                 o coração por
                                         me condensar na dimensão
                                      sistemática de querer imaginar.                                    
                                          É todo o dia noite assim,
                                               e custa passá-la
                                                     sem mim.


 na folha
                                                                 na caneta
                                                                                                  na escrita que passou.

sábado, 1 de junho de 2013

Quinze minutos sono adentro

Deitei-me sóbrio na conclusão de chegar por via do adormecimento até ti. Sabia que haverias de chegar bela, sinuosa, pela rua que eleva a condição de cidade a marco de identificação ideológica, que chegarias no teu pé de dança doirado, descalça pela noite. A rua, toda ela de calçada preta e argilosa nas bordas que delimitavam a tua paixão fervorosa de estaca meia do meu pensamento, enche-se de luar brilhante, pois tu, Lua sim, beleza sim, preenches o universo por coexistência acidental. E amas-me, e aproximas-te, e beijas-me. Em vão, que tudo é limitado por momentos, todos eles encadeados direccionalmente para um momento geral que não é mais que um particular intervalo de tempo, delta o chamam, minúsculo para o infinito mais pequeno, maiúsculo para o infinito que não se conta, ávido sol de pouca dura do que fazemos onde não estamos e do que queremos fazer porque estamos, pelo menos, na árvore da vida. E massajas-me o rosto com as mãos suaves de algodão, e encaras-me directamente no olhar, e aproximas-te, e beijas-me. Não sintas o meu afecto que ele é duvidoso; não beijes meus lábios pois minha alma encontra-se num mar de podridão, não me amas porque não existe amor.
Um paraíso estendido ao sonho de acordar mais tarde, quando a realidade desaparece.

Aequalis aequalem delectat.

sexta-feira, 31 de maio de 2013

Tríplice

Acalma minha alma o desespero.
Vi-te passar e não disse nada,
talvez por achar curto o erro
de falar consciente contigo calada.

Anima minha voz quem me cansa.
O teu cabelo nada ao mundo diz,
mas contrário é o gesto que amansa
tua seda pendurada quando sorris.

O que sorri é meu espírito amado.
Três é o número da tua felicidade,
nas três vozes e nos três gestos
da grande sombra que é a saudade.


sexta-feira, 24 de maio de 2013

A minha vida é o pior suicídio

A minha vida é o pior suicídio.
E o pior é que sou feliz,
com alegria em minha volta
e a voz suave de quem me diz

"É tempo! Faz-te à vida, rapaz!".
A vida faz-se a mim e eu nem pedi.
Espanca-me com a piedade do tempo
e ilude-me com a doce brisa de ti.

Viver é a única coisa a que não presto,
tirando isso, sou bom a tudo.
Nunca fiz sofrer e nunca sofri,
apenas com o sofrimento me iludo

na bonança temporal de viver.
Falam da vida como se falassem
do sonho. Falam a dormir,
como se no sonho amassem.

(A vida é sentir o coqueiro em colónia,
abraçar o choro na solidão
da franja sóbria esticada,
é pedir o que os poetas não dão.)

É tempo.

terça-feira, 21 de maio de 2013

Sou fraco

Sou fraco, mísera criatura.
Desenquadrado da vida
(esta vida que não me pertence),
destinado à triste ruptura da inocência.

Eu nada mais sou que um bicho
baixo da rede de alimentação,
que não sobrevive à Terra sequer.
Vou morrer e nem vivi.

Nada me entristece e tudo parece bem.
O problema é não ter problema,
o problema é viver dependente do problema!
Nada sou e para nada vou.

Quero força, mas força inteira!
neste suicídio que é viver,
nesta alegria constante de morrer
e nunca parar o coração.

Pára coração, não vale a pena!
Esforças-te para tudo acabar,
mais vale então começar.
Chamem o mundo à minha beira

para que vejam alguém a viver,
para que vivam a morte que é deles!
Ninguém deseja a morte para depois,
que os desejos são momentos.

É condição estar condicionado!
Ou que os desejos desinibem a áurea
humana que é ser limitado?
Nada é errado se é desejado.

Quero viver, duplamente!
Quero desejar a morte, quero-a já!
Viverei sem nada, sem rima.
Desejarei a vida, que já acabou.

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Pássaros

A vida, se quisermos,
não tem ritmo.
É um pássaro sem bico
que voa e canta mudo:
voa para onde nunca
esteve, para o fim
do mundo, talvez.
A vida não tem sentido!

Os pássaros, os que voam,
seguem rotas e rumos,
todos juntos, com canto
aleatório e sistemático.
As vidas, as que sobram,
quebram-se na procura,
porque aos pássaros a morte
se destina em outro lugar.
À vida nada se destina.

Não há vida na vida...
Não há alma no corpo
se não a quisermos nem
mistério na morte se não
a temermos de feição.
Há melodia na vida
dos pássaros, não
por natureza, ou por serem
animais, mas por serem
pássaros e voarem.

sábado, 27 de abril de 2013

De mil olhos

De mil olhos caíram lágrimas
que por ti se fizeram em rio.
E nem um gesto teu mereceram,
nem uma corrente oposta
surgiu na tua nascente,
essa seca e sem olhar.

Amar-te-ei passivamente,
por assim cair em choro.
E ao escorrer no rosto,
agora soro da verdade,
minha lágrima ecoa calma
e inércia sem sentido.

E nenhum som maior
é silenciosamente produzido,
senão aquele que brinca
à vida, o que sente e significa,
aquele que espera a condição
ideal de se lhe chamar coração.

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Paranóia

Paranóia:
dos homens do mundo que fazem um;
da mulher incógnita que as faz todas.

Paranóia espiral:
dos governos que são corruptos;
da corrupção que não se sabe.

Paranóia ziguezague!:
do tempo misterioso
e do mistério das ruas que mudam.

Paranóia sem fim
de tudo o que tem início,
porque se não tivesse, nada teria fim.

Paranóia e não se soube que sim.

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Sucessão

Sou preso na indolência
do aparatoso rebuliço.
Sou a sã consciência
do costume conciso.

Amanhã é outro hoje.
Estou num Destino
que dele sempre foge:
tudo um futuro cretino.

Fui a vítima retardada
da vaidosa melhoria
que é sempre adiada
até à final sinestesia.

E tiro de mim quem sou
no panorama ideal,
de onde tudo se tirou
e se tem apenas o mal.

Virão vis e duras águas,
virão coisas já escritas,
mas nunca virão letras
afogar as palavras já ditas.

sábado, 13 de abril de 2013

Os dias são descontínuos
e as noites têm sonhos leves primeiros.

Há na minha vida gente que a vive
com mais certezas que as que eu sempre tive.
Sei que outrora quando era fácil
ver a vida a lutar por mim, quando
o sonho era melodia ensaiada
nas vivências da infância
e a insanidade um estado
de qualquer momento,
podia ser toda a coisa encantada,
especial na infinidade do tempo que sobrava.
Hoje a vida não é por mim mais brincada
por querem de mim aquilo que querem de todos:
dinheiro e arrojos simples para o ter.
Já não me pertence a vida que é pública.

A noite chora na tempestade
que lá fora desflora de imaginação
de arranjar cobres que para ela não são.

Já tiraram tudo à Vida: na noite e no dia,
no são e na podridão da via errónea da Escolha.
E as crianças só têm em não crescer em demasia
a liberdade de escolher a prática teoria de nada saberem,
de serem meninos no tempo e adultos no espaço
onde nada cabe, nem mesmo o regaço da Mãe Fatal.

Ao viver aprendamos que nada se vive em liberdade.
Que só no cansaço se repousa em compulsividade
e que nem na repulsa de sentimentos excluímos a doce idade
de menino poeta no ser e no sentir.
E quando a hora da Escolha escolher realmente permitir,
saibamos que nada nos exibe um verdadeiro sorrir,
a não ser a verdade de querer escolher a vida antes de morrer.

Raia o dia de fininho e por fim a escuridão desvanece
na condição empírica de trabalhar no espaço
que é o tempo de ganhar tostão gasto instantaneamente.

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Creio nas coisas que vejo,
como na caneta física que escreve
tinta contínua, numa limitada
carga ou grafite carbónica.

Creio em coisas que nunca vi
por me encontrar num estado
inerte, sem esforço para querer ver
algo em que creio e sei existir.
Que seja um planeta longínquo,
num sistema estelar brilhante, onde
qualquer Deus é um Deus central
que crê em qualquer eu existente por lá.

Mas de mim nada vem senão dúvidas,
interrogações que conheço, que me
fazem impossível na crença própria.
Vejo-me existente num mundo
feito de coisas tocáveis, limitadamente
contáveis, que funcionam por
estranhas leis estáveis e reais.

Confundo crença com existência,
onde nada significa tudo. Onde não
existem limites fronteiriços, que onde
uma realidade não acaba para
que a contrária comece.

Vejo-me como um viajante na
filosofia de locomotiva, que pensa
num veículo em movimento,
limitado por um vidro transparente
em que a realidade aparece distorcida,
mas o que é real é o pensamento.

Só em mim me sinto completo.
Mas não quero nada.
Que poderia eu querer?
Neste tempo que limita o nascimento
a uma morte próxima, que varre tudo
e não deixa o progresso existir,
tudo arrasa a vontade de querer algo.

domingo, 7 de abril de 2013

Testemunho

Se o sofrimento se sente
por choro ou por dor,
passa-se algo diferente
com o sofrer por amor.

Também se chora,
mas é entalado...
E aquela dor de hora
é de alguém angustiado.

Mas não é humano
sentir na paixão
algo de insano?

Viver é ter tempo vago
para dizer com saudade
ao amor de verdade:
"deixo-te a mágoa que trago".

Infância adulta

Isolem-me do mundo,
façam-me o que quiserem.
Só não me tirem a vontade
de ser algo de feliz.
De sentir a vida parada,
de ter sonhos violeta
e de ser pequeno para sempre.
De comprar doces e gostar,
de ser feliz a brincar,
de ver asas no carro
cortando montanhas
e paisagens estranhas
na berma do sonho.

O amor de gente crescida
tira tempo e tira vida,
colhe sonhos pela raiz
e deixa morrer o petiz.

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Conselho vertical

Decai o pensamento, limitando-o
       define-te
                  transforma-te
       expõe-te confortavelmente
       inteira fisicamente objectos ideais
                  trabalha por ti
       ama a tua criação. Saúda o sucesso.

terça-feira, 2 de abril de 2013

Meia-noite em Lisboa

Quantas vezes me vi já nas ruas luxuosas de Lisboa dos finais do século XIX ou inícios do XX a passear entre a fina e expressiva sociedade portuguesa de artistas românticos e modernistas. Nos sonhos posso ser a carne e alma de um viajante futuro, com premissas elevadas de conhecimentos póstumos a reviver aquilo que os livros dos quais nunca ninguém ouviu falar nos contam com detalhes esplêndidos.
Vou narrar um sonho particular que generalizou a minha ideia da sociedade daquele tempo, em que Fernando Pessoa era um desconhecido popular e a poesia e arte plástica passeavam nas ruas de mãos dadas com o pensamento sorridente de um jovem poeta d'Orpheu, futurista e tudo, chamado José de Almada Negreiros, que é personagem principal num conto fictício que toma apenas o sonho como real.
Havia passado quatro anos e três meses desde que Portugal mudara o seu sistema político de reis para presidentes, de nobres para ricos, de clero para encalhados. Sabia disto porque segurava intacta na mão a primeira tiragem da revista Orpheu, editada por ilustres personalidades do início do século em que me encontrava, estudados impiedosamente no século em que dormia, e cujos nomes figuravam na primeira página. Também notei através de uma placa junto ao Arco Triunfal que o espaço do meu sonho era a Praça do Comércio, só chamada assim pelos incultos de alma que no sangue não têm vontade alguma de sonhar e de descobrir sorrisos nas pessoas transeuntes; talvez por isso a plaqueta não referisse que o sítio onde aquele grande Arco convida a Rua Augusta a começar se chama até hoje, verdadeiramente, Terreiro do Paço.
Era Janeiro e estava uma noite fria. Como sabia que estava a sonhar tornei-me fantasma: flutuante, invisível, imperceptível, incapaz de alterar o rumo lógico dos acontecimentos da minha imaginação naquele breu de sono. Senti-me como um narrador heterodiegético e observador; não controlava nada porque não era assim o meu desejo; não sabia nada porque se não estivesse a dormir nada saberia também. Porém, devido à frescura invernal, podia ver um indivíduo magro, baixo, de cabelo curto e estranho, cara ainda mais estranha e corpo desproporcional a expelir ar quente, ofegantemente, enquanto corria por entre as arcadas meio iluminadas à esquerda do Arco. Fiz-me querer, sem certeza nenhuma, mas porque o sonho era meu e me parecia alguém conhecido, que se tratava do Mestre Almada Negreiros. No entanto, qual mestre era ele naquela altura, com vinte e um anos, jovem feio e sem sucesso, desencontrado com a vida que não lhe era precisa, utilizada apenas para ter contacto com outros artistas no Martinho da Aracada que lhe tinha predestinado a correria.
Assim sendo, entrei nesse espaço onde a cultura se respira e onde nunca estive acordado, razão pela qual o meu sonho tratou de inventar uma espelunca qualquer, que se parecesse com o século XIX, apesar de estar no XX e de saber que o sonho estava a perder detalhe, e com isso veracidade. O jovem Almada entrou calmamente - em contraste com a pressa que trazia - e na mesa onde se reuniam os artistas com desgraças comuns apenas encontrou um gordo, que eu presumi ser Mário de Sá Carneiro, porque nunca na vida vi qualquer representação do seu físico e para que tudo batesse certo e o sonho fosse do meu agrado, assim se continuou a história. Almada chegou junto dele e lamentou os quarenta e cinco minutos que trazia atrasados - ou três quartos de hora, como ele disse, por pensar ser artista geométrico e remeter para proporções do círculo horário - e ainda mais lamentou quando percebeu que Fernando Pessoa estava ainda mais atrasado. Quando percebi que se tratava de uma reunião para elaborar a segunda tiragem da revista Orpheu, porque estava a decorrer o ano de mil novecentos e quinze a a primeira edição estava na minha posse, concluí que Pessoa havia feito jus à sua poesia, descartando as interacções sociais, chegando propositadamente atrasado, não querendo enfim saber do passar das horas, sinal da inevitabilidade fatal da vida.
Os dois poetas durante horas conversaram acerca de diversas temáticas: ora Eça de Queirós era um maricas com detalhes excessivos, ora Júlio Dantas possuía um odor oral desagradável; ora a poesia romântica era cocó, ora o modernismo é que era giro, bonito e agradável. Com isto, rapidamente se fizeram oito horas da noite e finalmente entrou pela porta imaginada o épico, o agradavelmente irreverente, sublime, o impossivelmente adjectivado, Fernando António Nogueira Pessoa. Assim que entrou, acenou alegremente à dupla de parvos sentados há duas horas naqueles lugares e mandou vir um copo de água pé. Como Pessoa me pertencia, naquele momento, por ser imagem do meu pensamento, já estava a prever o futuro, embora a minha característica não participante e observador: em breves momentos, julgava eu, Fernando começaria um discurso lírico e belo, enchendo o espírito poético daqueles dois, começando por isso a chover ideias glamurosas para a Orpheu 2, elevando o espírito artístico do espaço semi preenchido pela sociedade culta.
Pelo contrário. Pessoa sentou-se e não utilizou a boca senão para beber. Os outros dois falavam com ele sobre ideias, sobre possibilidades de expressão, acerca até da porcaria que se desenhava nas suas vidas. Fernando Pessoa apenas respondia palavras mínimas, palavras de quem pelo menos toma a mínima atenção aos problemas que a ele parecem não pertencer, quando sabemos que na verdade aquela tripla tinha exactamente os mesmos problemas, que doem e não se curam, que entram e se saírem não saem iguais. Palavras curtas que escondiam dores intensas naquele ser humano que ninguém compreende por isso.
Então, uma revolta sorridente apoderou-se de mim, não fiquei desapontado, nem desiludido. Com o sonho que tivera, apenas me esclareci. Vi Fernando Pessoa como realmente é: humano, demasiadamente humano. Vi um jovem que não sabia se era poeta ou pintor, degredado na sua própria vida, que viu em Fernando Pessoa a verdadeira iluminação artística. Vi um Sá Carneiro ausente, alguém que não conhecia mas que se desprendeu da sua própria vida um ano e três meses depois; não aguentou o fluxo e viu na morte o conforto desejado por Pessoa e Almada.

Depois acordei, era de manhã e deixei-me ficar deitado na eventualidade do sono me apanhar novamente desprevenido.

sábado, 30 de março de 2013

Apenas tem um pouco de fé

Acordas e sentes um vazio de alma, de identidade. Um súbito momento - o momento em que despertaste, em que o teu corpo deixou de estar num estado de sonolência para passar a realizar metabolismos biológicos, orgânicos e neurológicos - foi o suficiente para que uma nova realidade se instalasse em ti, que crescesse exponencialmente, que ocupasse toda a tua preocupação momentânea. Pensas vagamente em tudo o que fazes durante o teu dia: levantas-te, vestes-te, comes, trabalhas e, em instantes que deveriam ser de distracção, finges estar entretido por um aparelho multimédia. Com o pensamento vem a sua consequência: descobres que tudo isto, estes costumes diários, esta rotina deambulatória, não te preenchem, não te definem nem fazem de ti o que realmente queres ser. Sentes-te angustiado, asfixiado pela realidade que te atinge tão friamente, tão eficazmente e repentinamente que um tiro, nesta situação, parceria uma leve carícia. Choras em vão por saberes de ti pouco mais que o teu nome: nome esse tão próprio que nem foras tu que o escolheras; choras por seres o resultado de sonhos passados, de angústias e devaneios de outras pessoas, por te veres condicionado e guiado por opções que não foram feitas por ti, foram feitas por quem, durante este tempo todo, chamaste "pais". Ocorre-te, porém, que essa revolta pela tristeza abafada e pelas lágrimas amainada pode mudar alguma coisa que, com esperança, se possa transformar em tudo. Por pensares de modo tão inquieto chegas por fim a uma conclusão: todas as perguntas que podem ser feitas cabem noutras duas que não podem ser feitas: "Quem sou eu?"; "Porque sou eu?". A chegada racional a estas interrogações param o desespero e a ansiedade porque a sua impossibilidade de terem uma resposta imediata te obrigam a, continuamente, progressivamente, ao longo de um tempo de vida, procurares a tal solução. Ainda deitado, mas mais desperto, concluis que cabe a ti preencheres a tua vida, a tornar cada dia único, cada momento inesquecível, cada memória sorriso. Apercebes-te como é difícil alcançar a facilidade de ser feliz, mas o desejo em ti implantado faz-te um brilho nos olhos que certamente te firmará um sorriso verdadeiro e único nos teus lábios ansiosos por dizer a frase "sou feliz". E é nesse preciso instante que estás deitado numa cama no centro do teu universo, com um sorriso inexplicável na cara, com a força de mil cavalos dentro de ti para iniciares a jornada que é dar um sentido à vida.

Deus est solus scrutator cordium.

quinta-feira, 28 de março de 2013

Julieta

Pego numa caneta e escrevo:
procuro na folha alento,
na tinta o sangue de teu servo,
nos que lêem algum talento.

Já fiz belas obras poéticas:
umas serviram de morte
às pessoas patéticas
que não encontram o norte,

outras foram muito lindas,
mas nunca seriam entendidas
no prazer de serem lidas,
pois há nas letras coisas escondidas.

Se um poeta ao escrever
oferece apenas amor,
na sua mente, há que ver,
não existe nada mais que dor.

quarta-feira, 20 de março de 2013

Inspiração

Tudo o que me resta é fugir.
Poderia dizer que o ideal
seria lutar, não desistir.
Mas em que se suporta
essa insistência, que apenas
me dá dormência e tristeza?

Porra, que sou o que não sou.
Vejo-me, talvez em sonhos,
a lutar e a conseguir, a idealizar
conceitos concretizados e
ideias que são minhas e únicas.

Que raiva, que vazio de pensamento,
que se me dá para explicar,
mais vago fica esse tormento,
com mais coisa nenhuma se preenche.

Triste coração decadente,
que tenta combater
esse encéfalo dormente.

Ah, os dois tendem em preencher
tudo além do coração e da mente.

E nesta criação, vejo, nada criei.

quinta-feira, 14 de março de 2013

Poema de amor

Lá vem meu amor
de alma inocente.
Guarda fulgor
no peito ardente
e consciência de dor
que não sabe o que sente.

Vem vestida de cor
vermelha; mente
modesta e fala melhor
pelo coração carente,
genuíno e fingidor
do que pela boca que mente.

Evita ser olhada
pelo rosto acutilante;
diz ser duplamente facetada,
com o olhar penetrante
e a parte duvidosa desejada.

Mas meu amor pode descansar:
tenho o poder apaixonado
de ser capaz de sentir e observar,
de ter um mundo abandonado
só para mim, de conservar
aquela alegria de ser amado
e a grande dor de amar.

domingo, 10 de março de 2013

Análise

Só tenho escrito poemas.
Não há altura nenhuma
em que apeteca escrever uma
novela ou um ensaio
essencial corrido de
pensamentos e características
do que os homens são por dentro.

Tem sido tudo negativo,
desafortunado de lógica
e governado pelos sentimentos.

Agora caio novamente
em verso decadente.
Talvez por me sentir vazio,
no ócio de fazer tudo,
não tenha feito nada.
Sou só um escritor.

Não grito nem proclamo
novas modas ou estilos,
não sou original nem tenho
ideias próprias que ninguém
teve ainda. Muito menos
faço planos no que devo
fazer e modestamente pensar.

Depois falam-me em sorte,
como se a fizessem.
Sorte têm aqueles que sofrem
por amor, porque sabem
do que sofrem, conhecem
o problema e lutam pela solução.

Mas eu, por nada sofro,
por nada vivo, por nada respiro.
Se morro um dia, é porque
quem sou já está morto.

segunda-feira, 4 de março de 2013

Esgotei os títulos

Revolucionária situação
criada pela imaginação,
em que te suportas tu?
Vens ingénua, ambígua:
Cheia de coisas que não importam.
(E se importassem, para que dariam?)
Escasseias de precisão
e és impossível ser
exacta e escrita na letra.

Em exclusivo te configuro,
assim te vejo, multidimensional,
intransponível no tempo,
inconsiderável no espaço...
Não pertences a nada.
Nada abstracto...
No que te vejo, não me pareces.

O que é o nada, enfim?
O limite do tudo, verosimilhança
da pequenez das coisas pequenas.
Mas a coisa que na imaginação
se dava grande, vai diminuta como
a razão vai com o tempo...

Por te definir, te limitei, pensamento.
Por te desenvolver te completei, ideal.
Quero ser feliz, com um possível sentimento
de querer ser feliz... Tal e qual.

sábado, 2 de março de 2013

Dizem que o amor

Dizem que o amor
dá vontades imensas;
de abraçar
de beijar
de sonhar
de viver
de ter emoções intensas.

Dizem que o amor
não fala, não explica;
se falasse, que diria?
se sentisse, que faria?

Dizem que do amor
não se sabe nada,
e que destina rancor
a quem o guarda.

Dizem, mil vezes
dizendo, que quem
ama vai sofrendo.
Que fala curto
e baixinho,
diz o que não pensa
porque não pensa.

E se o amor cair,
que caia a vida,
pois de vida não
se faz o amor, mas
de amor se faz a vida.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Conselhos

Hoje em dia não tenho sido eu.

Tenho dado conselhos indecentes,
tenho visto outros na minha alma,
o meu instinto revisto nessas mentes
que dizem sentir com maior calma.
Não estão todavia espelhados perante
eles meu sentimento sombrio, titubeante.

Tenho dito que tudo vale a pena,
já que é vã a vida e passa uma vez,
como uma tarde agradável e serena,
um sentir único guardado na lucidez
futura, aguardada intocável quando
a fria água última fica a alma esperando.

Oh, tenho falsamente mentido tanto,
sofrendo horríveis angustias alheias,
inspirando transtornos com quanto
pesar me é possível, dividir a meias
sentimentos permanentes revisitados,
situações de amores ambicionados.

Meu coração frágil palpita como fino
brinquedo inquebrável na mão
desocupada daquele brincalhão
que escreve sinuoso, que é o Destino.

domingo, 24 de fevereiro de 2013

O que é o amor?

Já me interroguei várias vezes e de diversas maneiras: o que é o amor? Uma pergunta tão curta, tão simples e tão fácil de surgir, mas dificílimo - se não impossível - de responder concreta e definitivamente.
Confesso que numa primeira abordagem à temática mais abstracta que o divino ser Humano consegue almejar senti a necessidade de indagar por caminhos que outros tomaram para explicarem ideologicamente o que é afinal, o amor. Procurei na wikipedia esse abstraccionismo sentimental e poucos minutos depois, por via de encaminhamentos de conceitos e páginas dentro desse verbete, estava perante platonismos e outras filosofias aborrecidas com significado incógnito. Esse enfatídico incómodo porém não me prendeu nas estreitas vielas de sentido único da filosofia e achei que o melhor seria expor o meu inocente ponto de vista no blog que amo - parece-me adequado!
O amor, a meu ver, vem com a idade. Não digo que uma criança de 12 anos (mas que escândalo considerar que alguém com 12 anos ainda é criança) não possa sentir amor verdadeiro e genuíno, mas digo que ama sem saber ou pensa que ama e não ama. Isto significa que na adolescência acontecem metamorfoses psicológicas que tornam a mente indisciplinada, já que é notória a falta de interesse de grande parte dos adolescentes púberes em conhecer este belo sentimento, em sentir as suas inexplicáveis sensações e em viver uma dualidade única com a pessoa amada. Infelizmente caminhamos para modelos de adolescência cada vez mais automáticos, ou seja, cada vez mais influenciados por situações socialmente maciças, que privilegiam os sentimentos fingidos e negativos. Porém, os adolescentes são únicos no aspecto criativo, conseguem superar qualquer realidade que os limite - o sentimento do amor é uma delas - apenas pela força de vontade, visto que ainda têm tantas vivências pela frente. Ora, este processo é quase inconsciente, mas necessário - a espécie humana tem que ser espontânea, fluída e criativa.
Voltando ao amor, desta feita em relação aos adultos, mas adultos com experiências e consequências aprendidas na adolescência, considero que é um dos sentimentos que comanda a pessoa e rege escolhas e possibilidades, traçando assim caminhos para a vida. O amor não é só interpessoal, (se bem que a mais bonita forma dele seja, a meu ver, entre duas pessoas) pois existe também o amor próprio, que tanta importância tem na auto-estima e consequentemente no processo de "conquista amorosa"; o amor colectivo, entre as famílias, amigos e um dos intervenientes na "zona da amizade"; e o amor divino ou, como gosto mais, amor filosófico, que é o sentimento de devoção e adoração de uma entidade divina - vulgo deus/Deus- ou entidade abstracta, como elementos da natureza ou o próprio conhecimento. Todas estas formas de amor e demonstração afectiva são bastante válidas, mas todas implicam a abdicação de ideais físicos, de coisas concretas, da realidade terrena, para que as vivências sentimentais sejam magnificadas. ("fazer amor" é uma situação onde o físico tem uma importância tremenda, por isso acho que o meu raciocínio tem lacunas.)
Portanto, as minhas considerações finais recaem no aspecto mais belo da vida humana - o amor interpessoal, ou entre duas pessoas. Quando digo "entre duas pessoas" refiro-me a pessoas com sexos diferentes, porque aí sim, a beleza do amor acontece. O amor entre um homem e uma mulher é tão maravilhoso como um pôr-do-sol de verão numa praia deserta ou negras amoras que recheiam um doce açucarado e delicioso. E assim, apenas por metáforas e sentidos inconcretos, se pode explicar o sentimento que molda os outros sentimentos.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Sozinho

Num recinto barulhento,
nem eu conseguia ouvir
aquele doce tormento
que me fazia sentir,
vindo do meu pensamento.

O som, porém, era lento.
Alguns queriam até sorrir,
de ironia, de descontentamento,
pelo que estava para vir.
Como lhes servisse de alento...

Eu parava, escutava e olhava,
tudo o que fora de mim estava
me vinha com ligeiro atraso.
Aos outros viria, com muito arraso,
no tempo certo, porque tais
eram todos os mesmos iguais.

Eu era só um, alguém
que pensava sozinho.
Os outros, não eram ninguém.
Esperavam que o seu caminho
fosse único e feliz, sem
coincidir com o que alinho.

Estão distantes do olhar, agora.
Questionava-me acerca do som,
o que gerava a sua demora?
Era a razão que num só tom
me fazia saber a hora
a que meu glorioso dom
me deixava ir embora

desse desassossego ocioso.
Foram sozinhos sem barulho
com correntes e ar penoso,
foram guardados do orgulho
ingénuo, bárbaro e avultoso.

Aí fui só eu, de coração
latejante e alma perdida,
mas com qualquer razão
sobrante posta em medida,
para abraçar a solidão
alcançada  pela verdade destemida.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

There you are

There you are, on the wave beneath
the time, attached to the place you see.
Focused in your illusion, on the relieve
of thousands drowned in the stormy sea.

There you are, at the sparky height of low,
believing on the flawless dream you've been.
Regardless the time and place you follow
the ones who thought they'd never seen.

There you are, beauty prodigy who stare
the light that blurs the pathway to lore.
Turning the soft reality to an harsh nightmare,
you find yourself struggling to go ashore.

There you are, noticing the sweet redemption
that is closer than the wave you were on.
The end is near, the thunder I hear.

You've fallen dead and cold,
the future to your son you sold,
he is now the one who thinks
you'd never seen the thousand sinks.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Sinédoque

Como tudo é pequeno...
Um coração é pequeno
para tudo o que sente,
não fosse ele sentir
e dar à mente o
poder de decidir
se quer sentir ou
pensar por palavras.
Palavras... Que fazem
falar a mente do coração
que pensa com emoção
e dá à razão motivos
para ser razão racional
relacionada com a ideal
ideia difundida pelo coração.
Um altifalante é um altifalante.
Um megafone é um altifalante.
A boca é um altifalante.
Eu sou um ser falante.
Eu sinto e penso, penso que
quero sentir, fazer o senso
decidir o que penso.
Ideias... Coisas... Tudo...
Cérebro meu que quer
descanso, coração meu
que está cansado,
palavras minhas
que estão gastas.
Corridas aleatórias à
fluência saída do molde
assente no meu
poder de saber que penso.
Estrofe... Como não te cansas?
O ser pensa e a pensar sente.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Tudo absoluto

Vem comigo passear:
ver o céu e ver o mar
que o espelha tão
claro e relutante, já
que não tem coisa
outra para espelhar.
(Tamanho grande em vão).

Volta-te para mim:
deixa-me o olhar
luzido de louça,
cristal e límpida.
Porcelana pura,
olhos obscuros
na vista de amargura.

Num relance, renasces.
Observas com um olhar
tudo o que conquistaste.
E questionas-te
porque duraste,
como tudo é fugaz:
tudo o que fizeste ou deste.

E não param.
Vêm como pragas.
Invadem a primavera
que é a tua criação,
o teu verão que
flora na imaginação.
São tudo perguntas.

Mas tudo é em vão.
Lacuna de pensamento.
Inutilidade de espaço,
perda de tempo.
Tudo é pequeno
na escala serena
do meu coração pensante.

sábado, 9 de fevereiro de 2013

Isaac Newton, sir!

Hoje escreverei livremente.
Há dias em que a capacidade cognitiva humana depende da capacidade sensível e emocional, que é moldada pela sociedade. Houve talvez uma personalidade histórica - fascinantemente admirada por mim - que privou continuamente da sua vida a dicotomia entre a razão concreta e os sentimentos abstractos.
Hábitos consistentes eram a sua arma secreta para manter a mente superior ao coração, fazendo deles uma realidade que o prejudicou socialmente mas que o colocou num nível intelectual inédito até hoje. Honro neste dia, tão vulgar como os outros, um homem tão vulgar como os outros: Isaac Newton. Habitualmente abordo conceitos abstractos neste blog, mas mesmo assim existe algo tão abstracto neste inglês que interdita o pensamento de o compreender.
Haveremos portanto de começar com o oxímoro que foi a vida dele:
Havia passado um ano desde que obtivera o diploma que o qualificava em Humanidades, curso que pouco o entusiasmava e resultado de um usufruto de uma bolsa de estudo obtida por ser tão habilitado à Matemática do seu século, quando a peste que clareza não trazia tomou por assalto a Inglaterra cosmopolita, em 1665. Herdeiro de uma quinta que à sua infância assitira, o jovem Isaac isolou-se por dois anos da peste, do mundo, das pessoas, do dinheiro, dele próprio e de todas as partes que o constituíam. Hesitante, guardou para si a única coisa que os outros queriam: o seu pensamento; não sem antes se interrogar como um filósofo de consequências e actos deliberados. Hasteou a bandeira da sua existência no seu pensamento concreto por opção própria e por vivências que curtas ainda eram. Hospedou nele o raciocínio daquilo que ainda não se via mas que estava presente nos olhos de todos: a gravidade, a mecânica e a matemática das coisas que estão ao pé dos homens, ignoradas aos olhos de Deus. Homem de objectivos, Newton passou a conhecer, nesse período entre 1665 e 1666, tudo o que ainda ninguém ousara conhecer de forma tão aprofundada e clarificada, excepto Galileu Galilei que experimentou tudo, viu tudo e captou a atenção de todos; até de Deus, excepto que o italiano Deus é diferente dos outros. Homenageando assim esse homem que morrera para que nascesse, Newton, com apenas 24 anos, já era um brilhante físico, matemático, cientista e, muito importante, agricultor. Historiadores, porém, não confirmam o episódio mais famoso da sua vida, que supostamente acontecera durante estes Anni Mirabiles de 1665-1666: a maçã que lhe caíra na cabeça e a inspiração que esse acontecimento lhe proporcionara para investigar e descobrir os fenómenos adjacentes à atracção gravítica entre os corpos.
Há nestes dois anos uma intensa actividade intelectual, auxiliada principalmente pelos factores determinante do seu isolamento: peste e pessoas, e embora as duas se confundam, penso que as pessoas são a principal causa dos afastamentos sociais. Houve neste inglês uma repulsa pela sociedade daquele tempo que, obviamente, não o compreendia, resultando num auge cognitivo, numa afirmação ideológica e criação científica.

Hoje, portanto, interrogo-me acerca da verdadeira essência do cogito: será o isolamento a única opção? Haverá na interacção social um motor que favoreça o pensamento e criação de ideologias e novidades? Honrarei sempre a experiência social com a experiência intelectual, penso que se complementam e a última fornece à novidade um motor de expansão social.

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Festa de aniversário

Em tempos estavam todos comigo.
Tinham o bolo guardado
e velas postas de lado,
numa alegria contínua.
Era tudo brincadeira.
Vinham então à minha beira:
Que crescido estás! Quantos faz?

Mas eu dizia que era da bebedeira
a queda que fingia,
para que se rissem.
Ou para que assim vissem
que o rapaz por fora crescia
mas a criança permanecia
na brincadeira doce e tenra.

Hoje poucos me vêem.
O bolo permanece,
mas a alegria retrocessa.
Tiraram-me dias e anos.
Tiraram-me gentes que antes
viam o rapaz no centro da mesa
a sorrir e a soprar... Só a soprar...

Oh identidade divina,
que faço eu comigo próprio?
Com que brinco agora
que perdi o brinquedo?
Tenho a idade de brincar,
nunca antes quis mais.
Ah! Soubesse eu naquela hora!

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Decomponibilidade da vida

O tempo é perdição.
Nele vivemos.
Dele memórias guardamos.
E tudo o que recebemos
é um leve passar de anos,
que nos leva para longe
do que hoje somos.

Passa tão leve.
(Já lá vai! Já lá foi!)
Nada deixa nada,
tudo vai e já não vem:
As ideias que em mim contém,
os jovens de hoje que nem
amanhã serão filhos de alguém.

Já passou, foi em vão.
Aprendemos a viver,
esquecemos a vida.
Então vemos que nada
é nada. Somente isso: nada.
O que é tudo, nada vai ser,
porque ele passa sem querer.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Faz-me sonhar

Faz-me sonhar.
Se não me poderes
fazer sonhar,
deixa para ti 
os teus sonhos.

Ou dá-os ao teu amor.
Se não for eu o
teu amor, deixa-me
ao menos os teus
sonhos de amar.

Se me deres isso,
dás-me a vontade
de te querer dar
o amor que sonho:
Em campos de
papoilas vermelhas,
dois encarnados
corações dão as
mãos e sonham
em amar, deitados
no chão, a rebolar,
como duas crianças
que amam a brincar.
Inspirado em Álvaro de Campos

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Costumes

O branco ocupa a parte funcional do meu pensamento, completando um jardim outonal de ignorantismo oblíquo. As palavras são escassas, o tempo inútil, a razão aborrecida e a realidade deambulante. Os sucessivos acréscimos de ideias incompletas tornam-me numa máquina sentimental, semelhante a qualquer outra que através de engrenagens e engenhos mecânicos realiza uma função orgânica e estrutural, e tudo o que me sobra é uma amplificação enumerativa de pensamentos. 

Se a filosofia fosse empresa, então tudo o que a complementa seria lógico como uma linha de produção automática que vê no tempo um ciclo periódico de entrega de produto. Mas não. Comigo a rotina rompe-se na sua origem, na sua essência imperativa. Idealizá-la seria romper o sentido coerente da sua concepção, uma rotina incomum fora da literatura que se anula num oxímoro pertinente e a mim associável. Raciocinar não faz parte de um hábito porque um hábito requer instintos baseados em indicações extrínsecas a nós.
Romper o ódio e incentivar o amor é parte da rotina social: erróneo e paradoxal, afirmo com prontidão. O ódio gera discussão, gera mudança e instabilidade, gera contra-hábitos simultâneos a uma ideia de dever cumprido. Rotinas é o que em maior quantidade existe. Com espontaneidade conquistaremos o mundo, ou a parte interessante dele.

domingo, 13 de janeiro de 2013

Sentir tudo

Não posso escrever sem especificar
que o que sinto é exterior a quaisquer
realidades que ao coração se queiram fincar.
É objecto que assombra o dilatado Ser concreto
inventor de palavras magníficas, que representam
tudo menos a razão inerente ao objecto.

É um pêndulo pesado que pesa mais que
ele próprio. Vai repetido de sangue esforçado
e volta limpo pelo sucesso garantido. Sobe
pelo mesmo caminho que desce, num vai-vem
entre o real e a imaginação que ninguém
entende mas que todos percebem.

Pode ser um relógio que num tique-taque
atormentado pelo tempo se julga dono
do mesmo, que cessa por um ataque
de fase que o faz sofrer mais e pingar
na folha vazia tinta negra, repleta de tudo
o que o mundo sente e quer para não parar.

Assim sinto-me eu: fechado por situações reais
e infinitas, que não pedem explicação,
mas que eu insisto em criar perturbação
necessária. Porque no infinito me sinto a mais
e no finito não me sinto, procuro então, entre
aquilo a que chego e o inalcançável, o coração.

sábado, 5 de janeiro de 2013

Ensaio sobre o futuro - REMAKE!

Oi migos!
Hoje, em comemoração da XLIII publicação do "Vou Escrever um Blog", dirigir-me-ei aos fantásticos leitores num registo mais informal e abandalhado. Regressarei também às origens remotas deste blogue e escreverei uma nova versão do "Ensaio sobre o futuro". Será portanto um "ensaio sobre o futuro v2.0" ou, se preferirem, um "Ensaio sobre o futuro, no futuro". Fica ao vosso critério.

De uma coisa tenho a certeza: o Futuro é um preguiçoso sem medida, visto que está sempre a adiar a sua vinda. Ainda ontem disseram que vinha hoje e o maroto afinal só vem amanhã! Uma pessoa nunca sabe quando é que ele chega, nunca marca uma data nem um sitio para se encontrar connosco... Muito menos sabemos onde raio é que esse patife está metido! Se fosse minimamente educado falava connosco. Ora agora parece que se escondeu e não quer ser encontrado. É antissocial, só pode. No entanto, preocupamo-nos imenso com ele mesmo sabendo que o gajo é um velhaco e não quer saber de nós.
Sabem quem é que é um tipo porreiro? É o Passado, claro! É um gajo impecável, completamente nosso amigo, aliás, até nos alerta para os erros que cometemos com ele para não agirmos de modo semelhante para com o Futuro - esse c*brão. E nós, mal agradecidos, tentamos sempre esquecer o Passado, não lhe agradecemos e queremos vê-lo pelas costas o mais rapidamente possível. Alguns até dizem que fez sofrer imensas pessoas e é o responsável pela eventual má disposição do Futuro. Mas não, este amigalhaço não tem a culpa da nossa estupidez e irresponsabilidade. Aliás, ele até nos alerta: "Olha meu caro, tu não agiste muito bem quando arrebentaste com duas cidades, meu amigo. Se calhar era melhor não voltares a fazer isso!" e nós respondemos "Vá esquece lá isso e pira-te daqui que vou pensar no teu assunto.". Isto é má criação da nossa parte. Será que as nossas mães estariam orgulhosas se soubessem que tratamos tão mal alguém que nos quer bem? Duvido imenso.

Voltando ao tema inicial.
Tal como tentei imperfeitamente metaforizar, considero que o passado nos pode ser imensamente útil na concretização do futuro. Pode-se aproveitar tudo o que realizamos em tempos anteriores, especialmente os acontecimentos negativos, para que estes não se voltem a realizar nos tempos que estão para vir. Porém, o negativismo adjacente ao futuro justifica-se com o momento que vivemos, com o que nós, sociedade, andamos a fazer no que chamamos "presente".
Crescem cada vez mais as sensibilizações relativas à preservação do meio natural e respeito pelas gerações vindouras, mas o que conta é a acção global, um efeito massivo, para que resultados se notem nos diferentes sub-sistemas terrestres.
Nós, os ocidentais, crescemos com abundante água potável. Contrariamente, os meninos da África subsariana deparam-se com um escassez crescente de água própria para consumo. A desidratação adjacente provoca uma das mais dolorosas mortes possíveis. Imaginem cada célula do vosso corpo a contrair-se radicalmente, até que as suas membranas rompam. Podemos mudar isto, podemos juntar forças para que no futuro isto se altere.
Tudo depende do presente e o presente somos nós.