sábado, 30 de dezembro de 2017

Amontoado

Os acontecimentos sucedem-se
E eu continuo igual.
É uma vontade tal
De não fazer uma única coisa para a minha felicidade;
De não precaver o meu futuro:
De o ver desmoronar-se.

Para que assim, completamente parvo,
Possa jogar isto da vida
Em modo de dificuldade elevada.

sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

Até quando for tarde demais

Na escuridão rompe o desejo
De te dar as mãos uma vez mais -
De saborear o doce do teu beijo -
De ver em nós duas almas iguais.

O tempo que passe e que acenda
O que de nós ontem era passado,
Que quando sentirmos de novo
Já não me vais querer acordado.

De mim resta o que já foi de ti,
Que não era a inocência nem
As brincadeiras amorosas.

Eram as palavras saudosas
Que não diziam nada.
Soubesse eu saber ler-te calada.

quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Vento

Que saudades eu tenho do vento a soprar.
Da brisa da serra que fazia bem.
Das tardes no campo a ver as casas.
E à noite, a tremelicar, do frio do mar.

Era uma juventude partilhada e diferente.
Não era de coisas vividas nem de vidas
À espera de se tornarem numa conclusão.
Era de jogos na estrada e fazer parar carros.

E agora? Nada é simples.
Todos se fartam do que têm.
Não existem recomeços.
O sol brilha e a lua completa ciclos.

Basta - recomecemos.

terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Condenação

Tudo parece excessivamente arbitrário.

Nasce-se, casa-se e morre-se.
No meio temos filhos e gostamos deles.
Tomamos vinho por vezes e quando
Nos sentimos tristes pensamos no significado disto tudo.

Nascemos e somos crianças até deixarmos de ser.
Vemos os bonecos na televisão;
Rimos de piadas simples e rimos com vontade.
Alguém nos alimenta e dá amor.
Vamos à missa nos domingos de manhã
E pensamos que isso de Deus é coisa simples.

Crescemos. A família anterior começa a morrer
E somos responsáveis por fazer uma nova.
Encontramos alguém e fazemos crianças
Para que essas também se possam rir
Com bonecos coloridos e ir à missa sem pensar.
A mente ocupa-se com uma ocupação diária
E sustentamos a família e a sociedade.

Já é fim do mês. Já não vamos à missa com vontade
E o padre pede que pensemos em fazer o bem.
Ser dependente de quem depende de nós
É um dever mais do que assumido.
Mas não pensamos nisso porque há vinho na mesa
E quando esse se acabar compramos mais.
Vendo o nosso reflexo no espelho
Surge-nos uma estranheza.
Onde está o cabelo?
A mulher ficou gorda.
Os filhos estão na universidade.
A vida foi, toda ela, uma mentira.
E que drama é uma vida onde não há drama.

terça-feira, 28 de novembro de 2017

No canto de um círculo te encontro

No canto de um círculo te encontro
E vejo-te embrulhada em meu redor
Aproveitando o abraço e o calor,
Descrevendo o sorriso que te mostro.

Passas com leveza a ponta dos dedos
Nos meus lábios esperando os teus
E confias-me desconfiada os teus medos
Sem que te passe em pensamento os meus.

Não te pertencem a ti amores excessivos,
Ainda que te pareçam necessários olhares
Molhados que repelem sentimentos nocivos.

Não é daqui, amor, essa vantagem.
Vem. Fica comigo junta e perto.
Aqui já vimos tudo - sigamos viagem.

domingo, 12 de novembro de 2017

Se não tens que beber

Se não tens que beber,
Bebe a razão;
Já que para sofrer
Chega o coração.

Da tua fala sofrida
Só sai a verdade;
Tão curta é a vida
Nesta cidade...

E tão bela é a noite
Que nos mostra o luar
E se reflete pequena
No teu olhar.

Quando amanhecer
E surgir um bocejo
Lembra-te do beijo
Que ficou por te dar.

quinta-feira, 2 de novembro de 2017

Ano após ano continuamos andando

Ano após ano continuamos andando.
Eu que por cá reservo memórias
De fingir ter a vida por comando,
De fugir de todas as recordações,
Desejo voltar a quando éramos um.

Esse pensamento é plural como nós.
Está parado no passado e hoje é
Intermitente com as estações do ano.
Sinto-me triste: é outono, acabou o verão.
A melancolia solta-se e as folhas caem.

É um pensamento quase real:
Quase tão real que é sentimento.
E por mais dias que passem, que de dias
Se farão meses, vai e volta como um banco
De jardim num dia solarengo de agosto.

Por fim irás caminhando em contínuo.
Não há ciclos que não se fechem
Nem invernos que durem o ano todo.

domingo, 15 de outubro de 2017

Foram os nossos pais que nos fizeram quem somos hoje ou foi Deus?

Verdade é ver o tempo a passar sem que doa;
Observar a próxima geração fluir na família
E cantar mais um aniversário ao pequeno.

Verdade é não querer trocar de mobília
Quando os pais morrem e um dia nós também -
Enquanto lá vai o rapaz estudar para fora.

Verdade é não ver o futuro olhando além
Daquilo que foi uma juventude distante
Narrada por quem veio a quem vem.

Verdade é ser velho e sem amante -
Que o medo de ficar sozinho
Foi substituído pela constante de não ter ninguém.

Verdade é saber o caminho
E mesmo assim escolher o errado.
Ninguém merece ficar nesse estado.

sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Ex-namorados e contas do Netflix: um problema dos nossos tempos

 
O fim de uma relação envolve sempre um certo sofrimento explícito: uma sensação de impotência para enfrentar os mais simples problemas do dia a dia, sentimo-nos fracos e não queremos sair da cama de manhã para cumprir as nossas obrigações, as nossas comidas favoritas perdem o sabor, olhar para as silhuetas enquanto passeamos nas ruas da cidade faz-nos sempre lembrar da nossa antiga cara metade e aquele filme romântico com o ator famoso já não é o que era.

Precisamente para nos distrair da nossa vida miserável, pensamos que talvez um filme ligeiro ou uma série entretida nos anime o espírito. Afinal de contas subscrevemos ao Netflix e é inegável a qualidade tanto da imagem como do conteúdo desse agregador multimédia. Porém, ao abrirmos a página web do Netflix deparamo-nos com mais um sinal da nossa antiga relação, outrora perfeita, mas que falhou e nos consome por dentro tal inferno sem dar tréguas: a conta de quem era o nosso mais que tudo, a razão de vivermos, a mais significativa parte de nós ainda está presente no refúgio audiovisual que procurávamos para descansar um pouco a alma.

De um momento para o outro esquecemos Stranger Things ou House of Cards ou Narcos e o nosso pensamento deriva uma vez mais para o precipício do romance que pereceu. Ali está a nossa conta que agrega a qualidade de entretenimento que nos faz sonhar e querer viver intensamente junto à conta que agrega o nosso sofrimento flagelado por quem já não nos quer. Fica complicado conciliar tantos sinais que ficaram de um passado mais confortável e em que tudo era jardins de flores coloridas com a sólida dor solitária do presente pântano que fede.

Cegamente enraivecidos, decidimos criar uma outra conta falsa com o intuito de fazer parecer que já seguimos em frente e temos uma nova pessoa na nossa vida. Desse modo, quem anteriormente partilhou aventuras e vivências connosco, irá sentir-se muito mal ao fazer login no Netflix, vendo que a nova conta que lá se encontra é claramente - sem margem para dúvidas - uma nova etapa no nosso mundo romântico e que eles são coisa do passado. Já que estamos bastante enraivecidos escolhemos, no caso dos homens, o nome sugestivo "Sara Sampaio", ou, no caso das mulheres, "José Cid" (porque é ele o apogeu do simbolismo romantico-sexual para as mulheres). Totalmente seria possível. As antigas cara-metade vão cair certamente.

Pouco tempo depois verificamos o quanto ridículo fomos. Notamos que chegámos ao ponto de criar artimanhas no Netflix para iludir quem nos deu tudo. Facetas desprovidas de lógica, tal é o estado decadente do nosso espírito. Pensamos que nos falta alguém - aquela pessoa antiga. Lentamente descemos ao abismo. Ficamos deprimidos.

Onde assenta a reflexão é que fazemos coisas ridículas a toda a hora enquanto estamos apaixonados. Vemos Netflix juntos e trocamos carícias verbais com entoação duvidosa, juramos que tudo o que está bem se vai prolongar e pensamos que é bom ser ridículo porque se gosta da outra pessoa e, em bom sinal, estamos a ser ridículos juntos. Quando isso acaba julgamos que passamos a ser ridículos sozinho - o que é mentira. Não é uma praga de contas caídas em desuso num website de filmes e séries que definem o ridículo nem os atos que a tão simples existência dessas contas levaram a cometer.

quarta-feira, 20 de setembro de 2017

Ser sozinho

É comum querer ter alguém -
Já que sentir falta é um prazer,
Mas se isso não acontecer
Vou sozinho que vou bem.

Mesmo que haja um azar
Ninguém se vai chatear;
E as matérias de sentimento
Não são mais que pensamento.

Se a vida correr bem
Eu durmo descansado,
Se for o contrário
Mais ninguém fica acordado.

E aquelas manhãs chatas
Que precedem o café
Seriam minhas e só minhas -
E no almoço tinha a fé.

Que morte seria essa
Vida que se levava?
Nem a vida estava acesa
Nem a chama se apagava.

quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Quadras de outro mundo

No céu escuro da noite
Esconde-se um planeta
Que guarda os segredos
Que não se podem dizer.

Guarda toda a esperança
Dos corações sozinhos
De quem não se cansa
Quando não há solução.

Esse planeta sem mar
Fica longe das estrelas
E não se pode navegar
Com medo de se perder.

Orbita as memórias
De um sistema estelar
Que é feito de sonhos
Mas tem de se calar.

Tem uma lua brilhante
Mas sem lobos que uivam
E desertos extensos
Que são feitos de razão.

Eu visitei o planeta
Quando lá era verão.
Fiquei de mansinho
Até mudar de estação.

Foi uma visita guiada
E com muito para ver -
Era um planeta bonito
Mas fácil de ofender.

Agora vejo à distância
Com lentes de lembrança
Aquele mito planetário
Que um dia terá vida.

quarta-feira, 30 de agosto de 2017

A passagem das horas

Pensando no passado
Fico, pesado, querendo
Voltar atrás no tempo.
(Era um tempo bom).

O que lá se passou?
É uma pergunta sem
Significado algum.
Passou-se a história
Do avanço do tempo.

Sem pressa se acumulam
Os desgostos do passado
E do tempo e da história
Que ficou por avançar.
Porque o que avançou
Foi de repente o tempo.

E as histórias que foram
Contadas noutra hora
São forjadas pela memória
Que passa por nós agora.
E sem nos querermos
Magoar, achamos melhor
Sentir a história de agora.

Quem poderia querer
Alguma coisa sem querer?

sexta-feira, 18 de agosto de 2017

The place with two lagoons

People ask me if I have ever found love;
I say to them that's not important.
They ask me if it wouldn't make me happy;
I say that I'm not that constant.

But when I go to the place with two lagoons
And I see those calm waters
My memory stops by those past moments
That showed me how love matters.

When I'm at the place with two lagoons
My heart turns so brightly blue.
Sitting by the mirrored sky shows me
That it was love and it was true.

But today people ask me if it was worth it
And with a shut mouth I respond.
They're not so silly after all
Because they know there was no bond.

quinta-feira, 17 de agosto de 2017

Teresa

Nos anos 60 estava Teresa
Junta ao balcão fumando
E seu marido esperando
Extinguindo a beata acesa.

É avó nos dias que correm
E viúva do cancro que apareceu.
Os homens que morrem
Reclamam sempre o que é seu.

E Teresa não foi exceção...
Teresa escreveu com o coração
Na lápide do antigo marido:

"Está neste local jazido
Quem nunca me faltou
Mas rápido o tempo passou."

domingo, 13 de agosto de 2017

Vai tudo correr bem

Se algo correu mal no passado então deve-se aprender com isso. Com calma ninguém se chateia e com comunicação faz-se transparecer tudo. Esconder as coisas nunca leva a lado nenhum e apenas faz com que existam desatinos emocionais que, embora façam parte de qualquer relação, prejudicam o bem estar de ambos. Sentir-nos bem é algo bom. Querer fazer a outra pessoa sentir-se bem é ideal.

Numa nota pessoal, eu cá seria a pessoa mais feliz do mundo só por provocar um sorriso a quem está do outro lado. Um sorriso para todos os dias e eu sorriria também.

Vai tudo correr bem.

terça-feira, 8 de agosto de 2017

Quando nos calamos

Não existe no mundo
Melhor coisa do que
Estar sempre calado.

Estar calado para o amor.
Isto é, não falar dessas coisas.
Ser fechado e intransponível;
Ser um cadeado do sentimento.

Que sempre que falamos
Não dizemos o que queremos.
E sempre que dizemos o que queremos
Fica algo por dizer.
Mas não devia ser assim.

quarta-feira, 2 de agosto de 2017

Meu amor do outro lado da serra

Meu amor do outro lado da serra
Sorri-me ao longe devagar.
Engana-me por desejar
Qualquer coisa que me encerra.

Meu amor na encosta oposta a esta
Sente falta do afeto que a envolveu.
Algo também me falta para eu
Acordar desta longa sesta.

As feridas que se curam
Não são obra do acaso;
Porque enquanto duram

São como flores num vaso.
Meu amor é da cidade
E cresce com a idade...

domingo, 16 de julho de 2017

A ilha dos amores

As musas dos cabelos negros
Na ilha dos amores
Não têm por quem chamar
Ao ofício a que cantam.

Beliscam o marinheiro
Ao longe que as avista;
Não o chamam por vontade
E medo do inesperado.

Sem convite se aproxima
O marujo às divas sentadas;
Repentina é a saudade
Que as deixa imutáveis.

Ao encontro no fim vão
Daquele sonho que vem do mar.
Sentidas de coração e alma
Julgam contar as novidades.

A recompensa final
Não é a ilha dos amores -
Mas a vontade que falta
O orgulho delas tomar.

quinta-feira, 22 de junho de 2017

Passat - a carrinha do amor


As mais belas histórias de amor contemporâneas passam-se dentro de carrinhas Passat.

Nos anos 60 seriam as T2, vulgarmente conhecidas como "carrinhas pão de forma", as maiores testemunhas de paixões flamejantes e de desejos ardorosos - muito devido, certamente, ao amplo espaço interior. Nos anos 80 os suecos não queriam ficar atrás dos alemães, como tinha acontecido 40 anos antes, e assistiu-se à afirmação da Volvo P220 como a carrinha onde toda a ação de amantes juvenis recém encartados acontecia. Passados os anos, e chegando aos tempos que hoje vivemos, é indiscutível que a Volkswagen voltou a dominar a trama do amor jovem com modelos cada vez mais apreciáveis da carrinha Passat.

Tal como as primeiras paixões, também as Passat são confusas. É uma carrinha? Um familiar? Talvez ambos? Há muitas questões sem resposta que colocam as Passat num nível de ambiguidade de definições onde se situam muitos namoros entre jovens.

As Passat, contrariamente às "pães de forma" não têm tanto espaço. Os namoros de hoje em dia precisam de muito espaço para que resultem - é um desafio consumá-lo nestas carrinhas alemãs. Este contraste está na base da popularidade das Passat - afinal, quando existe a necessidade de espaço emocional nas relações, este pode ser mascarado fisicamente pelo conforto compacto das Passat.

Além disso, existe um esforço por parte da marca em dar continuidade a este modelo de carrinhas. Nesse esforço, reveem-se muitos casais com dificuldades. O mundo a dois torna-se chato sem um pouco de inovação; a rotina acaba por ditar a sentença amarga de uma relação outrora feliz... E é nesse ponto que entram as Passat. Com uma grande variedade de equipamentos de entretenimento eletrónico e muitas soluções mecânicas inovadores que ousam transformar a condução, bem como os bancos traseiros, o mais confortável possível, nunca um par de apaixonados cairá no tédio de um tempo a dois que custa a passar.

Levando a cara metade a uma saída à noite numa Passat, é garantido que esta vai acabar bem. As Passat tornam as relações mais vigorosas e os laços entre ambos mais fortes. É a carrinha ideal para um recém encartado que tem agora a responsabilidade de levar a namorada a passear - ou para a rapariga independente sem medo do mundo que quer surpreender o seu amor num parque de estacionamento vazio de um shopping qualquer.

quarta-feira, 14 de junho de 2017

Sara

Com olhos verdes
Só vê esperança;
Brinca ao amor
E arranja a trança...

É lá dos modelos
O sonho americano -
E de Sara os cabelos
Escuros sem plano.

Em Nova Iorque
E também em Milão
Faz seu toque

Parecer um empurrão.
É mesmo bela a Sara...
Com ela o mundo para...

quarta-feira, 31 de maio de 2017

Adiando o estudo

Escrevendo umas equações que o meu professor disse serem simples,
Regalo-me ironicamente com o meu sentido de as não saber fazer.

Servem para coisas complexas.
O meu professor acha-as belas porque são simples
Ainda que resultem em maravilhas da matemática.
Em maravilhas que eu adio em descobrir.

Não me tenham em duvidosa fé.
Eu gosto disto: gosto de saber estas coisas.
Combinações lineares incidentes em corpos;
Valores e vetores próprios;
Derivadas parciais...
Eu acho tudo isto muito bonito.
Mas movo-me com uma incerteza lenta
E não apanho a tempo tudo o que é preciso saber.

Sou assim na vida toda.
Observo as coisas - noto-as devidamente.
Mas qualquer coisa falha na hora de tomar ação.
Não sei controlar a consequência da minha imobilidade
E não percebo porque teimo em ser assim.

Até este poema tão inocente e simples
Serve para mascarar a minha culpa
De não mergulhar nos capítulos
Dessas noções matemáticas complexas.

Há vezes em que nos sentimos tristes

Há vezes em que nos sentimos tristes.
Em que o mundo parece não gostar de nós.
Que não fomos feitos com propósito
Nem com uma finalidade a descobrir.

Dá a sensação de todos nos olharem nauseados.
De passarem por a gente com ar de nojo.
Que quando nos propomos a algo não sabemos
Se o que pretendemos faz os outros sentir bem.

Mas há vezes em que não queremos saber.
Tudo é sinceramente simples e possível.
Em que somos os reis do mundo e rainhas

De coração, dominamos o amor e a poesia.
Fazemos contas à vida juntando os seus saldos:
E tudo nem parece mau, vai um dia após outro.

domingo, 21 de maio de 2017

Rita

Esboço os versos dum poema curto
Com a Rita no fundo do pensamento.
Esboço as linhas dum sorriso lento
Com o vagar dum sentimento solto.

Cuidadosa a definir, lenta a conspirar;
Molha os lábios, finge gostar de vinho,
Molha de verdade seu coração sozinho.
Não tivesse Rita por quem esperar...

Mas na vida segue Rita com a camisa
Engomada esperando outras paragens;
Com a mão delicada o cabelo alisa

E levemente lhe presta massagens.
Segue Rita sorrindo para a vida,
Sabe que sorrindo não se acaba nada.

segunda-feira, 24 de abril de 2017

Ninguém durma

Ninguém durma! - ninguém durma!
Tu também, ó princesa - na tua fria alcova olhas as
Estrelas que tremulam de amor e de esperança!
Mas o meu mistério está fechado comigo;
O meu nome ninguém saberá!
Não, não - sobre a tua boca o direi
Quando a luz resplandecer!
E o meu beijo destruirá o silêncio que te faz minha!

O meu nome ninguém saberá ...
E nós deveremos, ai de nós, morrer!
Morrer!

Desvaneça, ó noite!
Desapareçam, estrelas!
Desapareçam, estrelas!
Pela manhã vencerei!
Vencerei! - vencerei!

Giácomo Puccini

quarta-feira, 12 de abril de 2017

Quem és tu, que me conquistas desde o início dos tempos?

Quem conhecia os relógios antes de haver tempo
Que me diga o que tinham eles para dizer.
A que apontavam os ponteiros de cerâmica rica
Encontrados num eixo central equidistante às horas do sonho?

Que diziam as pontas baratas em numeração romana
Se nem era em círculo que o tempo que se consumava?
Ou o não-sei-quê que tinha um relógio de ouro
Que disse à não-sei-quem que o tinha de acertar?

O tempo... que tempo? Para onde vamos - essa coisa de amanhã?
Tudo se prepara para reaproveitar o que se passou ontem.
Para remoer no passado como trituradora industrial gigante
E remexer pensativamente com a colher de pau da análise consequente.

Deixem estar lá o que de lá não volta.
Qualquer dia estará hoje em causa o que faltou dizer
E o que não foi dito desta feita amanhã.
Que alegria vos traz isso; que conquista pensam recuperar?

A hora do sonho nunca vai chegar.
Partimos todos de um abismo com um metro de algura
No qual só cai quem não se consegue levantar.
E não conseguimos ver nada de onde não há nada.

Chegamos ao fim cansados e sem filhos.
Vivemos no tempo em que não havia tempo -
Não porque não o havia ou não tinha sido inventado.
Vivemos na recusa de deixar o tempo passar.

domingo, 9 de abril de 2017

Como esquecer alguém

Não está em minha mente, amor,
Meu amor que bem me mente -
Um cardápio de sentimentos suados
Com lentos e elegantes acabados.

Está em meu pensamento, meu bem,
Uma quadrilha de intentos enquistados;
Sofrem por não terem curto rumo
E se alongarem em pensamentos pesados.

Quais as conquistas do amor acabado
Quando à análise se deve a beleza do mundo?
Dizes que o amor é passado;

Dizes que o amor é sortudo; -
Mas quantas lógicas deixaram passar
Esses sonetos de quem recua a amar?

quarta-feira, 22 de março de 2017

Poema disciplinado

As regras dum poema
Não são as dum quartel.
Agarra-se numa pena
E escreve-se no papel.

Parece bastante simples -
Então qual será a razão
De na poesia faltar gentes? -
Ou será somente ilusão?

Há aqueles que acham
Que sem algum conteúdo
Não se planta senão
Um ponto escrito sisudo.

Ou que no bico do lápis
Tem de se encontrar
Sempre um final feliz
Prestes a se revelar.

Ou que é complicado
Meter tanto artefacto
Num poema enfeitado
Por ter de ser abstracto.

Ou usar uma palavra rica
E difícil de entender,
Já que a rima e a métrica
Não se podem ofender.

Há tantos poetas caídos
Nessas longas escarpas
Dos amores escondidos
Entre versos e cartas.

São esses que amam
Pensando na vida;
Não na que levam -
Mas numa sentida

Porque só a alcançam
Quando pegam na pena,
Entre quadras dançam
E escrevem o poema.

sábado, 18 de março de 2017

Nadando em dinheiro

Coitados daqueles três farrapados seminus mortos na rua.
Cobriram-nos com um cobertor pois cheiravam mal - cheiravam a podre.

Há três dias a polícia de intervenção varreu as ruas da capital
E o que resta hoje é uma triste calma.
A oposição não existe mais...

Dizia no jornal diário com impressionante tiragem
Que o país corre como três rodas dentadas interligadas.
O jovem líder eleito há três meses é o óleo que as lubrifica de modo
A tudo funcionar suave e ininterruptamente.

São políticas velhas vindas de ideias novas
Que começam nas promessas de coisas vagas
E colidem na liberdade de deixarmos que pensem por nós.
Afinal, é confortável assim: pensar é um risco enorme.
Se não for necessário recorrer ao pensamento
Haverá emprego para todos porque as organizações
Terão toda a sua frente humana pronta a obedecer.

Clicar, consumir e obedecer - clicar, consumir e obedecer.
Enquanto, nadando em dinheiro, o rechonchudo capital
Devora a carne picada que varre as ruas e as torres corporativas.

Oxalá o comunismo seja melhor - que faça rir enquanto choramos.

domingo, 12 de março de 2017

Minha alma nua & despida

Minha alma nua e despida
Num entardecer branco claro
É arrojada afim de se conhecer
Enquanto capta e admira a lua.

Um fugaz passageiro passa
Por ela enquanto finge saber
De quem é aquele luar transparente,
Aquele que passa em passo rápido.

Brilha, brilha alta e relevante.
Brilha desde o início dos tempos
Minha alma ao luar que aparece,
Vista de fora por quem passeia.

Olho a noite passando numa
Quimera suave e psicológica.
Olho interiormente e minha
Alma ilumina-se num contínuo.

Visto um casaco longo
E jamais minha alma nua
E despida na noite brilhante
Sente o frio do entardecer branco.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2017

As lembranças sem nome que a vida nos traz

Nós, os românticos descuidados,
Quando perante o amor flagrante
Nos encontramos,
Esse de intrigas e maldizeres,
Fingimos não o ver.
(Porque somos românticos).

Se o não fizéssemos
Seriamos meros realistas sinistros
(Porque ser real mete medo).

Se nos reconhecêssemos como somos
Caberia-nos todas as infelicidades
E não passaria nunca mais por ninguém
Um gordo sorriso nosso.
(Porque todas as histórias de amor acabam).

Após o célebre ato de nos definirmos
Como românticos, perdemos toda
A gota de amor dentro de nós.
(Porque é preciso um descuido
Para sermos chamados de românticos).

segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

Luz

Luz: é ano novo e os fogos não param;
Um com a fita filmando insanamente;
Outro, diz que este é novo e o velho fica para trás
(O ano, que o vinho refrigerante foi feito hora e meia antes).

'Ó Elsa!?' - para onde me fugiste, sua danada?
'Hey oh!' - responde-me no recinto ao lado
E como é ano novo ninguém reconhece o velho cantar
Que ruge nos céus, rebentando e espelhando-se no rio.

Faz-se meia-noite e meia hora - como dizem os velhos.
Tenho de ver o telemóvel - espero uma mensagem importante.
Tinha treze. Treze mensagens e senti-me o rei do mundo.
Duas delas informavam-me das ofertas renovadas do meu tarifário,
Mas a sensação de onze pessoas se preocuparem comigo
A uma hora tardia como a presente iluminou-me o coração com sorrisos.

"Igualmente, ficas sempre!" teclei a um. "Decerto receberás o que desejas",
Digitei a outro. E assim se vê a amizade complexa. É bonito - é amor do ano passado.

Tudo fazia todo o sentido.
E tudo faz e fará, graças a Deus.
Que é um ano novo, igual ao velho, semelhante ao que veio antes.
Com uma pequena diferença: é um ano novo.
E novas são as minhas ruminantes memórias, sobejos dos meus antigos pensamentos.