sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

Quitéria

O nome da minha tia-bisavó, qual era esse?
Era um pouco estranho, soava mal aos dias correntes.
Lembro-me de pensar que ter esse nome era como ferros quentes
Aplicando dor horrível em qualquer sítio onde pele houvesse.

Mas pensando um bocadinho melhor:
A minha tia-bisavó era de um tempo diferente
No qual os dias de trabalho eram passados ao calor
E quando era para descansar era porque se estava doente.

Mas o nome - esse não me recordo.
Ela sempre foi velha desde o dia que nasci...
E quando ela era nova, com o vigor todo?

Penso mais um pouco e alguém namorou uma Quitéria.
A Ti Quitéria! Era esse o nome dela! E o meu tio-bisavô
Não achava o nome estranho quando se comprometeu à séria!

domingo, 20 de novembro de 2016

Domingo entre um cobertor quentinho


Chove bem e o casaco ensope-se.
Devia ter trazido um impermeável,
Penso enquanto corro do Campo Pequeno
À Avenida de Berna.

Os carros passam e fazem barulhos de cidade.
Encharcado, oiço os meus passos nas barreiras.
As pessoas com pressa num rodopiar de umbrelas
Abrigam-se da vaga de vento que muda o declive da chuva.
E eu, infeliz desabrigado, dependo da minha rapidez para chegar a casa.

Chego à Avenida de Roma com efeitos natalícios.
É crepúsculo e a rua iluminada de festividade antecipada
Dá uma sensação de acolhimento próspero a sorrisos.
(As melhores coisas do mundo acontecem no lusco-fusco).
A claridade do sol está diminuta e a chuva a abrandar.
As nuvens dissipam-se - deixam passar a fraca luz do sol -
E as montras alegram quem passa por elas.
Fatos e vestidos lindos, brinquedos coloridos; tudo o que é bom.

Uns metros mais tarde encosto-me às paredes húmidas da minha casa:
Na rua molhada, com o casaco encharcado e a o cabelo a escorrer.
As árvores seminuas gritam o Outono em que estamos,
Apesar do ar fresco que me arrepia a cara.

Estão folhas castanhas caídas no chão;
Tal qual eu a entrar na alpendrada -
Despedindo-me da rua que me fez desconfortável ao frio
E assente numa ideia fixa de que o belo é não usar guarda-chuva.

Agasalho-me num cobertor quentinho enquanto a roupa está a secar.

segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Quando se deixa de lutar por uma relação

Dia 1:
Ao tomar esta decisão não pensei em mim - mas em nós.
(Mentira...)
Concluímos ambos que "era melhor assim": seguirmos sós.
(Unilateralmente - sem razões e com ira!)

Dia 2:
Já dormimos sobre isso e tudo está a ficar melhor.
(Conseguiste dormir?)
Não há traços a carvão na tela do destino por concluir.
(Somente quando o artista tem à arte pavor.)

Dia 5:
Olá de novo, como está tudo?
(Normal.)
A interação dos astros fizeram-me mudo.
(Tal e qual.)

Dia 25:
Era a distância, era a rotina - o que querias que acontecesse?
(Que lutasses como eu lutei.)
Meu Deus - onde foi que eu errei?
(Em te cansares - em deixares que morresse.)

Dia 50:
Vi-te ontem na biblioteca. Vi que seguiste sem rei nem lei.
(O que querias que acontecesse?)
Que lutasses como eu lutei.
(Mil companhias e nenhuma com quem merece)

Dia 125:
Tenho saudades tuas, vamos voltar ao que éramos.
(Esse passado está esquecido.)
A memória traz um sentimento adormecido...
(É por causa de ti que no presente não namoramos.)

Dia 1875 + π/2
Já és doutora, que orgulho tenho em ti.
(Os meus pais também.)
Um engenheiro e uma médica - pensa bem...
(Pareces aquele parvo dum livro que uma vez li.)

segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Patrícia

Ó fogo, ó ardor no entardecer do outono
Que consomem em brasa um sorridente pôr-do-sol
Alaranjado e luminoso no horizonte das planícies.
Cinzentas as nuvens, amena a temperatura - pálido o rosto.
Que rosto! Que rosto... Com olhar do outono plácido.
Serena sensação de definições soltas, de axiomas
Panorâmicos na nossa vista. Seja a natureza assim como está
E que fique aí de onde és - Patrícia.

domingo, 9 de outubro de 2016

Introdução à dinâmica de paixões e cinemática da carência

Uma da manhã - quente entre cobertores felpudos
E um gato brincalhão, sentada em fausto cadeirão,
Abertos os livros e posta de parte a imaginação,
A miúda entretém-se focadamente nos estudos.

É mecânica e ondas que a preocupa... - mas no fundo?
É a dinâmica dos acontecimentos do coração,
Aquelas ocasiões bastardas em que lhe lançam olhares
Com intuitos secundários. Bela como é, respeita a distância.


Só (como só ela sabe ser) inverte as equações em planos futuros.
Não, não se definem esses com sistemas.
Com sorrisos talvez.
E caracóis ondulados onde se perde o mar.
E todas as metáforas de física e química.

Suspira, vendo que ainda lhe falta aprender Galileu.
Vai sair na prova?
Esse sim, mas o rapaz dos planos não.
(Falhasse ela essa prova)

sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Segredo

Meu amor bom, vou contar-te um segredo:
Nunca me apaixonei por ti realmente.
Quando pensei que sim, fiquei todo contente -
Mas rapidamente vi que tudo vinha cedo:

As vãs cartas de amor e as juras de paixão;
O segredar ao ouvido ao som da cascata;
O momento em que te coloquei o anel de prata.
Se perante isto dizes ter havido amor é porque não.

Contentemo-nos com a suave passagem da vida,
Com uma amizade que nunca vai entardecer.
Sabes, quem tem fé diz que há quem decida

Por nós tudo o que vai um dia acontecer.
Mas, amor bom, e se esse que planeia
Tiver mais com que se entreter?

segunda-feira, 15 de agosto de 2016

As inseguranças duma rapariga jovem

Sozinha vai, triste e amedrontada,
Pela rua escura, macabra e sem fim.
Com casaco fino - é noite de Verão -
Anseia chegar à entrada de casa.

Vem da vida que passa depressa,
Vem sem saber mais o que é paixão,
Respeito ou ódio sem despesa.
Tenta pensar no que lhe faz sorrir,
Mas no pensamento não surge nada.

Quantas mágoas passam naquele coração?
Por quantos desgostos amorosos passou ela?
Tudo isso, casos perigosos quantificáveis.
Mas não é essa a questão...

Ela vai e não volta àquela rua, a rua onde mora.
Pelo caminho lembra-se dos tempos de menina
Em que saltava nas barreiras de água
E salpicava toda contente a curta vida que tinha.

E a menina que ali passava há muitos anos
Perdeu-se no tempo, transformando-se
No seu maior medo - o monstro debaixo da cama,
A rapariga adolescente infeliz e sem caminho clareado.

domingo, 31 de julho de 2016

Diversão

Um pequeno reparo:

As pessoas são divertidas.
Umas fingem-se tristes;
Outras fingem-se mais alegres.
Mas todas são divertidas.
Divertidas - isto é - procuram diversão.
Não para sorrir ou despejarem o pensamento,
Não para se distraírem ou se entreterem...
Diversão de quererem mudar o paradigma
Das suas vidas com frequência - não assentarem na mesma página.
Diversão tão consistente que a única constante que temos é essa mesma - diversão.
As pessoas com que as pessoas se dão alteram-se.
Os empregos e as faculdades são um delta curto.
Os passeios em tardes solarengas (com a decência meteorológica
De se estar bem na rua a andar em ruas estreitas por estreitas passagens)
São coisas que à noite já não existem.
Somente a diversão - sim, a diversão...
Somente com isso contamos para que exista variação de ritmos
E paisagens e passagens - senão era tudo uma questão de sabermos
Todos os segredos particulares das rotinas - e assim a vida não seria divertida.

quarta-feira, 27 de julho de 2016

Ofélia

Sabe, bebé lindinha...
Olho para si com vontade
De a encher de beijinhos
Para matar a saudade.

Olhe, bebé fofinha...
Eu cá a espero um dia
Para ver como queria
Que o menino se portasse.

Porque eu sou o seu pequenino,
Com ou sem amor que passasse!
E tantas coisas com tino

Que lhe escrevi do coração...
Para sempre, o seu menino:
Fernando (Nininho)

sábado, 9 de julho de 2016

Olha, Margarida

Olha, Margarida.
Não me olhes assim quando estou bêbado.
Tu gostas...
Não gostas?
Gostas - vejo-te sorrindo por detrás das tuas covinhas que tentas disfarçar.
Ri-te sem pesar - eu gosto quando sorris...
Como gostas quando tenho bebedeiras...

Olha, Margarida...
A vida é senão uma bebedeira gigantesca.
Quando formos velhos não vamos estar mais sóbrios,
Apenas mais cansados.
Quando morrermos não vamos acordar no dia seguinte ressacados
Porque a morte é a cura que desejamos encontrar em vida.
Margarida... Bebe mais comigo e podemos ambos estar
Sãos de consciência e desequilibrados de equilíbrio.
A vida é senão o mote engraçado da morte,
Por isso precisamos de mais vinho e aguardente forte -
Sabes, para nos rirmos um bocadinho.

Olha, Margarida!
Todos nós temos amigos mais próximos e menos próximos.
Mais próximos e menos próximos da morte, quero eu dizer...
Tu és minha amiga, Margarida, mas próximo de nós, que eu enxergue
Com os meus olhos semiabertos, apenas está uma garrafa de vinho.
É vinho bom - prova mais!
Bebamos e brindemos com um copo cheio - e depois com outro!

Porque olha, Margarida...
O vinho não se acaba, já que tenho a sensação que a bebedeira é eterna.

domingo, 26 de junho de 2016

Tua boca macia

Tua boca macia onde se perdem trovoadas de pensamentos;
Belas e rosadas faces que dão cor aos sentimentos
Por ti achados sem qualquer razão arbitrária.

Teu corpóreo e momentâneo olhar destilado
Percorrendo as largas preocupações ignoradas,
Sem menções sobejas, nem efeitos ou bichinhos de passado.

Teu sorriso molhado, curvilíneo e distintivo -
Deduz pecado sem comprometer uma sacra natureza
Que faz do riso combustão e das palavras inteligência.

Teu corpo de dança - alma espelhada de música;
Move-se no ambiente dando vida ao espaço envolvente.
Seminua de preconceitos antigos, tudo em ti é transparente.

domingo, 19 de junho de 2016

Limites

Não vamos fazer de conta que estamos felizes com o estado actual da situação.
Mas também não iremos remeter-nos ao silêncio conformista.
As coisas estão más, sim. Mas não estão péssimas.

É difícil ver por entre a escuridão que nos encobre,
Mas por vezes é do bater do coração que nasce qualquer ténue forma de luz.
Por vezes é das razões hipotéticas - que não sabemos sequer se existem -
Que origina uma força tremenda, quais tarefas infinitas rendidas à sua acção.
É difícil não vomitar quando tudo à nossa volta é podridão.
É dos "por vezes" que nunca acontecem que a nossa vida continua um dia de cada vez.

"Todos necessitamos de algo para nos agarrar."
Menos Nietzsche - mas ele tinha a filosofia.
Menos Deus-ele-próprio - mas ele tem a sua criação.
Menos o Homem como colectividade - mas ele tem o planeta, do qual fez casa.
Menos os animais e a Natureza - mas esses não precisam, por isso têm a desnecessidade.

Não vamos fazer de conta que estamos felizes com o estado actual da nossa consciência.
Querer definir relações entre as coisas do mundo físico e da realidade metafísica
É desempenhar a função dos filósofos - esses que só queriam experimentar o sabor
De serem deuses por um bocadinho, num tempo que nem eles conseguiam definir.

quinta-feira, 2 de junho de 2016

Poema das rosas que te quis oferecer

Foram seis as rosas que te quis oferecer;
Foram seis rosas as que deixaste morrer.

Assim como essas, também eu fiquei
Frágil e quebradiço, fingindo que amei.

Não há pretéritos perfeitos no amor.
Se fossem perfeitos não fingia que te amava.

segunda-feira, 30 de maio de 2016

Nádia

Nada nem ninguém extingue o amor que
Pelo teu dócil homem guardas no coração.
Nádia nasceste e para o amor és serva -
Mas ele tornou-te severamente cega.

Antigamente juravas em lágrimas e oração
Que nunca te apanhariam prisioneira na vida.
Hoje em dia, Nádia, não acordas e estás sentida!
As lágrimas são de dor - não de amor, Nádia!

Amanhã serás velha. Cansada e gasta - uma lástima.
Terás rugas e não serás atraente - e o amor?
Onde estará ele, esse que chamas amor?

Nádia - não deixes a tua vida para a última...
Só que se já vives com alguém, e te sentes
Bem, valerá convenceres-me que mentes?

terça-feira, 24 de maio de 2016

Matilde

Matilde, filha de Mafalda e Infanta de Portugal,
O país viste nascer e teu pai bélico conquistar.
No século doze não se avistava de Coimbra o mar,
Mas graças à força que deste ao rei-teu-pai ancestral,

Mais cidades houve abaixo do Tejo, mais riqueza
Vimos nascer, mais mouros acabaram por morrer.
Matilde, eras princesa pequena e sem certeza
Quando se formou a terra dos poetas sem-querer.

Hoje, Matilde, vês o mundo no alto das luzes.
Respeitar a tua perspetiva ensina o mais persistente
Homem a vangloriar o teu sincero coração radiante,

Muda conjuntos de pensamentos e cria filosofias -
Porque és Matilde encarnada na estética e metafísica,
Mas com uma juventude inocente que nunca acabará.

quarta-feira, 18 de maio de 2016

Antibes à noite



Dois homens, pescando no breu,
Com lamparinas fracas chamam ao isco o peixe.
Agachado no barco, um alcança a água
Com um fio curto, qual dificuldade é pescar quando nada se vê.
O outro, com uma forquilha de quatro dentes,
Tenta dissimular um peixe gordo que, curioso, veio ao cimo da água.
Peixe - essa tua fuga ao que és te condenou à fogueira.

Mosquitos e traças compõem a atmosfera envolvente,
O que seria de esperar, porque a noite tem distúrbios naquele lugar.
As traças não incomodam os homens, que para a tarefa de apanhar
Algum peixe decente, têm de se imaginar eles-próprios peixes.
E os mosquitos são temporários - a fome é perpétua.

Na margem, duas moças. Uma, de bicicleta em punho
Saboreia um sensual gelado chamativo.
Os pescadores ignoram. Gelado, corpo de mulher? Isso não é pesca.
A outra, de delgada figura, pousa acenando aos homens e sua arte.

Quem são estas mulheres?
Quem são estes pescadores?
O do arpão prestes a concluir a sua tarefa?
O da linha, abaixado, com dificuldade em ver os peixes?
Será um o presente e o outro o passado?
A mulher do gelado é a tentação? A mulher fina a resolução?

Não se sabe.
Apenas que à beira de Antibes estão dois pescadores pescando na noite
E duas mulheres pescando a noite na vila fantasmagórica.

(Mais informação e obras de Picasso no Artsy)

sexta-feira, 13 de maio de 2016

Metade da cidade

Confortável, no jardim central da cidade,
É possível olhar panoramicamente
Para a tristeza generalizada daquele lugar.

O velho moribundo pedindo na rua em frente;
O cheiro nauseante do aterro descoberto ao lado;
Do outro, o centro de negócios engravatado.

O engenheiro milionário, no seu carro eléctrico,
Tira uma fotografia ao que lhe convém.
Sai do carro apressado, à espera está o cliente e
Murmura para o sr. dr: "olhe que bem!".

Dá início ao negócio; trezentos milhões naquele encontro.
Mas o velho em frente, fazendo o que pode,
Dá milho aos pombos, sorridente.
Ele era o engenheiro do negócio que nunca surgiu.

sábado, 23 de abril de 2016

Luísa

A Luísa é difícil de explicar...
Um tanto doce, suavemente vive.
Tem imenso para ao mundo dar
Ao saber as angústias que tive.

Luísa de porcelana frágil:
O teu físico quebradiço é magistral,
Embora tua mente rápida e ágil.
Luísa: no teu coração não encontro mal.

Mas ao ver-te dar corda ao relógio,
Aquele que na vida só pára duas vezes,
Talvez me caia uma lágrima breve -

Não de tristeza mas de esperança -
Porque tens em perfeita balança
A vida e a necessidade de viver.

domingo, 17 de abril de 2016

Estas manhãs de domingo de quando eu era pequenino

É um domingo de manhã.
Eu, menino, levanto-me para ir à missa.
O sol radia pelo quarto,
Tudo está claro no espaço luminoso.

Do quarto à cozinha distam dois corredores,
Quais atribuo a designação por os completar a correr.
Na cozinha já está o guisado ao lume,
Por ser domingo e pelo dia ser característico
Do almoço especial - comida mais saborosa para
O doce paladar de uma criança.

Este é o cheiro característico deste dia.
Este sol pertence aos domingos - aos meus domingos.
Esta pressa que a mãe me incute porque já está
Quase na hora da missa é coisa típica de domingo.

Estas manhãs de domingo de quando eu era pequenino.

Embarcávamos no carro e seguíamos para a missa.
A família no carro - o carro com intenções divinas.

Na capela ouvia o padre, as velhas nas leituras,
As outras pessoas a ouvirem o padre.
Observava o ambiente, buscava os meus amigos.
Deus estava lá - Deus era eu a fazer isto tudo.
Deus não era a palavra do padre, não eram as leituras.
Deus era uma criança a ir à missa, porque ia à missa a brincar.
Deus não era coisa de adultos sérios ou padres jovens intelectuais.
Era eu estar lá a pensar em ir brincar com os amigos à porta da capela, no fim da missa.

Findada a missa e a brincadeira, Deus ficava lá quietinho
E até para a semana, se Deus quiser.

Era altura de ir ao café.
Para o pai, café forte;
(Não necessariamente forte o conteúdo da chávena,
Mas aos meus olhos era o necessário)
Para a mãe, café cheio;
Para mim, o que calhasse - mas tinha que ser doce.
E a minha mente olhava para o doce e nada mais.

Em casa, o guisado devia de estar feito.
Cheirava bem, e era só.
A refeição acabava e a única grande preocupação
Era a escola que sucedia desse o ponteiro a volta ao relógio.
Era simples.

Como este poema.

sexta-feira, 8 de abril de 2016

Deus está morto?




Deus é uma teologia à parte.
Nietzsche é uma parte da teologia.

Em cinquenta anos nada se acrescentou
À pergunta inaugurada pelo filósofo alemão.
Em séculos passados - mais de vinte -
Ninguém perguntou a questão.
Quem perguntava era silenciado.
Portanto ninguém, em registo oficial, quis saber.

Excepto a humanidade inteira.
Excepto o Homem que vem antes de Deus.
Excepto os juízes da Inquisição que ardem no Inferno
E os Papas que para lá seguiram.

Enfim - a doutrina mudou.
(E os dogmas, como são esses?)
Os Papas sentam-se no trono e morrem.
Todos os filósofos são Deuses
E Deus é um mero filósofo.
Ou será que o Homem não escreveu sobre isso?

Sinceramente, todo este tema é aborrecido,
Só que há perguntas que têm de ser feitas.

segunda-feira, 4 de abril de 2016

Tiros de pólvora seca

A origem da desilusão humana reside num único culpado.
É o Homem.

Dizem que somos um ser social, que precisamos dos outros para viver.
Precisamos de uma família que nos acolhe na infância;
De professores para nos prepararem para a vida adulta.
De amigos para mantermos a calma e a sanidade
E de alguém especial para procriarmos e sentirmos "amor".

"Amor". Não - julgo que não necessitamos disso.
Necessitamos de saúde para nos mantermos vivos e confortáveis no mundo.
Precisamos de livros e Internet para sabermos mais coisas sobre o mundo.
Água, comida, estado social, políticos honestos...
Mas "Amor"? Essa coisa?
Não.

A origem da desilusão humana reside num único culpado.
É o "Amor".

quinta-feira, 24 de março de 2016

Contrastes do amor

O amor é ter cócegas na barriga -
O amor é ter uma robustez anormal.
O amor é obsessão e intriga -
O amor é respeito e não querer mal.
O amor é uma doença peganhosa -
O amor é uma saúde infinita.
O amor é uma lágrima saudosa -
O amor é largar a paixão bendita
O amor é agarrar firmemente -
O amor é deixar ir finalmente.

E enquanto não se estudar o amor
Ele existirá no mundo ao natural.
Será por ilustres pensadores abrandado;
Pobres camponeses, esses, catalisadores.
Quem quer saber mais do que sente
Nunca sentirá senão o que finge saber.

quarta-feira, 9 de março de 2016

O amor é o que o amor não é

Ela estava agachada em si própria na sua cama de veludo sóbrio, abafando com o pobre travesseiro o seu choro desesperado, este causado pela difícil separação que sofrera no dia anterior. As relações juvenis têm sempre uma intensidade forte para quem as vê de dentro e uma espécie de exagero emotivo - afectos desnecessários e acções demasiado chamativas - para quem as vê de fora. Talvez por isso chorasse tanto - pela absurdez da causa e pela incompreensão introspectiva dos seus próprios sentimentos. Que animal tão fraco é o Ser Humano para deixar as emoções e as fracas e fixas ideologias tomarem conta da razão racional que pôs o Homem na Terra. Afinal, foi com a racionalidade, o pensamento científico, humanístico e técnico, que o Homem atravessou Oceanos: foi com essas capacidades que se viu o que esconde o Universo Infinito, aquilo para onde olhamos mas que não se vê a olho nu.

Afinal, o amor cria dependência como outra droga qualquer. E ela sentia-o - ela não parava era de chorar! Afinal, chorar limpa o coração - mas o coração é um órgão e ela tinha sangue e oxigénio suficiente para o fazer continuar na sua função vital.

Ah! Talvez os sentimentos sejam necessários. Algumas revoluções foram encomendadas pelos sentimentos dos mais carenciados e marginalizados. Os negros norte-americanos na longa batalha pela igualdade de direitos; as mulheres pela liberdade de voto, quais séculos não abafaram sentimentos fervorosos! Dois exemplos de bons produtos finais de uma análise mais sentimental do mundo. Dois exemplos que à primeira vista não têm nada a ver com o amor mas que, enfim, apenas foram concretizados devido ao mais abrangente sentimento que a razão humana excretou - ou poliu - o amor. O amor que faz chorar é o mesmo amor que faz lutar. Não por uma pessoa, não por uma ideologia ou melhores condições de vida e de direitos. O amor ele-próprio tem todas as causas do mundo e apenas um fim - apaziguar e acalmar a maquinal e infernal mente humana.
Ela chorou e reflectiu - e o amor consumou-se.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Joana

Olá, Joana. Olá.
Já te vi na televisão,
No jornal e na festa de S. Julião.
Não me pareces nada má.

Tens graça - graçinha.
Sorriso côncavo, olhos convexos.
Todo o físico em ti é diminutivo
E tudo o que dizes te eleva.

Joana, qual análise desnecessária.
Simples, bela, eficazmente existes.
E basta isso. Não dependes da razão diária.

Joana parece tão ela-própria,
Tão normal e comum - e comum e normal,
Que nem damos pelo sufixo fatal.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Inês

És um milagre - divina, linda.
Embebida num abraço fraterno entre lágrimas,
Vislumbras com pureza adquirida
A tua brilhante vida, essa de emoções antigas.

Enches-me a barriga de borboletas.
Sim - não se explica de outra maneira.
Quando explicações cessam, nem que queiras,
Não se pode definir o que se sente com letras.

És Inês. Inês-personificação-de-beleza.
És a inteligência sagaz e a sensualidade em balança.
E eu, com uma perseverança que não cansa,

Lembro-te com uma magistral destreza;
E hei-de recordar com saudade
Os nossos dias de tenra idade.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Helena

Ó antiga cena helénica metódica:
Conquistaste além-balcãs
Mil milhões de poetas melódicos,
Embebedaste poderosos imãs

E reis ocidentais tomaram por clássico
A tua força de ambiente catártico.
És quinhentista e milenar pré-divina,
Com deuses e conquistas sem carabina.

Ó nação entristecida, desorganizada
E pela Europa inteira pisada.
Seguraste os quispos ideológicos

Desta nova União poderosa
E esses antigos impérios lógicos
Te fizeram Helena lacrimosa.