domingo, 25 de novembro de 2018

Ser maior do que o mundo

É parte de mim.
Parte de mim para todos.
Para todos em todas as direções.

E assim me assemelho
Ao gritante
Silêncio
Do centro do universo.

Que se acabem as palavras
Dos poetas apaixonados
E o sangue quente
De quem deixa acessa
Uma paixão a começar;
Que seja um dizer
Do que já foi dito
E um viver
De paixões novas
Revisitadas.

Tão alto se encontram
Os que estão ao meu lado.
Esses que sonham em
Disparates acabados de começar.
Mas que sendo assim sonham.

Tão imprevisto é um gesto
Que nos leva para longe
De tudo o que se passa
E de tudo o que se passou.
São abruptos os momentos
Que se perdem na definição
Da imprevisibilidade.
Não ajudassem os dicionários
Quem não sabe escrever
O seu próprio destino
Sem a ajuda de alguém.

sexta-feira, 26 de outubro de 2018

Anatomia de um beijo

Há-os longos e os prolongados;
Os românticos e os fingidos;
Há beijos suaves e delicados
Que nunca a chegam ao destino.

Há beijos de memória
Que ficam para a história.
Há-os arrependidos
Por já não serem amigos.

Há beijos de mãe;
De quem nos quer bem;
Há os de tradição
Que não mostram feição.

Há beijos escondidos
Nas covas dos sorrisos;
Há os que ficam por dar
Num olhar devagar.

Há também os tímidos
Numa noite estrelada;
Há aqueles sofridos
Por antecipada chegada.

Os beijos não mudam
E continuam iguais.
O coração é o mesmo
E quer sempre mais.

terça-feira, 16 de outubro de 2018

Java Virtual Machine

Um beijo na despedida
E ao horizonte o destino.
Passam anos e toca o sino
Da igreja velha enchida.

Não há pessoas diferentes.
São tão somente iguais
Aos impulsos recentes;
Só muda quem sente os sinais.

E se houver um caso estranho
Na plataforma a ir-se embora,
Olhe-se para dentro de si,

Que a partida não demora.
A máquina que rege a emoção
Só aceita comandos do coração.

segunda-feira, 24 de setembro de 2018

Máquina de sentir


Sou ruim. Sou bastante ruim.
Acabaram-se as balas antes do inimigo chegar;
E ele chegou destruindo tudo o que encontrava.
Mas sou ruim. Hei-de ser ruim como as espadas manchadas.

Aqui há uns tempos todos os meus sentimentos
Eram mediados para saírem cristais nas minhas ações.
E tive sucesso - sucesso imediato, digo eu.
Era tudo contínuo e linear. Até quando me convidavam
A puxar o gatilho da minha indignação, lá avagarava os coices
De maneira a não ferir suscetibilidades.
Curioso: era feliz por querer.

Tornei-me no senhor nosso deus todo poderoso.
Fui à boleia de quem era mais entendido do que eu
E nem uma saliência da veia do pescoço mostrava enquanto explicava.
Fiz-me ruim. Bastante ruim.

Os novos entendimentos dividiam-se e conquistavam os antigos.
Nenhuma ideologia era aberrante e ninguém,
Pela origem dos seus preceitos, era um escárnio.

Foi tudo para esconder o que lá habitava por detrás.
Lá na curva da esperança de revolucionar.
E nem uma realização houve. Nem uma.
Senão fosse ruim, nem isso seria.

Porquanto sinto uma revolta não me sinto nada envolto.
Sou o fim de uma ceia de jejum
E já há dentro de mim um falhanço incontornável.

Sou calmo; serei calmo.
Recomeçarei todos os recomeços falhados
Até nunca mais falhar ou pensar que assim é.

sexta-feira, 31 de agosto de 2018

Guia prático para resistir às tentações da carne secular

Todos nós nos deparamos, diariamente, com tentações que colocam à prova a nossa capacidade de fechar os olhos, respirar fundo, e dizer que não. Dizer que não a variadas situações: jovens veraneantes de bikini nos seus 18 anos; jovens veraneantes de bikini nos seus 19 anos; ou até mesmo jovens veraneantes de bikini nos seus 20 anos. Em situações mais inesperadas defrontamo-nos até com jovens veraneantes de bikini topless nos seus 21 anos

Com todas as condições reunidas para falharmos o objetivo de uma sacra vida pura e íntegra, torna-se imperativo desenvolver mecanismos para que nos passe ao lado toda a tentação e luxúria. Proponho, portanto, alguns aspetos que, ao integrarmos no nosso quotidiano, nos ajudarão a ignorar a mais voluptuosa modelo de Instagram.

Ficar cego: a visão, de qualquer maneira, é sobrevalorizada. Esta solução corta o mal pela raiz: se não há nada para ver, não há nada a tentar-nos. Atingir este objetivo nos dias que correm é bastante simples, uma vez que há uma variedade de fármacos alternativos, relativamente simples de adquirir, que fazem o serviço. Em alternativa pode-se tirar o curso da Associação Portuguesa de Árbitros de Futebol.

Ir à missa vespertina: se o prezado leitor é como eu, não falta a uma missa. Porém, há que ter atenção à tipologia de missa que se frequenta. Missas de domingo são uma mina de tentação - principalmente no verão em igrejas sem ar condicionado. A missa de sábado à noite, por outro lado, é um atalho para atingir a santidade. Ainda assim é preciso ter cuidado com algumas viúvas.

Casar: pensando melhor, podemos saltar este ponto.

Tirar uma licenciatura e posteriormente mestrado numa área científica obscura; perceber ao longo desse percurso que ninguém está a contratar na área; tentar a sorte numa bolsa de doutoramento "porque o panorama pode melhorar nos próximos anos"; passar 10 anos a estudar sem obter resultados significativos; ter 30 e muitos anos e ouvir os auxiliares de 25 a sussurrar "que a qualquer momento isto vai virar"; perder gradualmente a esperança e, de um momento para o outro, perdê-la por completo: esta é infalível. Se o estimado leitor conseguir integrar esta simples técnica na sua vida nunca mais vai tropeçar no caminho da fonte - porque provavelmente tropeçou no caminho para a sala de conferências na antecipação de mais um briefing de introdução a novos graduados cheios de esperança.

Espero que este guia seja do agrado de todos os leitores que, como eu, procuram uma vida sem sobressaltos.

quinta-feira, 16 de agosto de 2018

Ode ao vinho Lambrusco

Vai um e sobra outro
Entre mesas e rodopios.
Já cá pára um sozinho
Que não há copos vazios.

Urbano - remexido.
Faz mover até as urnas.
Colhe-se nas manhãs
E bebe-se à noite:

Rimos como amigos
E saímos como irmãos.
O vinho é Lambrusco

E se fosse Verde era igual;
Mas é este que temos!
Muito ou pouco, não faz mal...

segunda-feira, 16 de julho de 2018

A roda dos pretendentes

Dançam noite fora sem ligar às horas
Os escolhidos daquela princesa.
Vem um com vagar, zelando o seu passo,
Devagarinho, chegar-se ao regaço.

Outro, noutra ponta, planta sorridente
Um pé maiúsculo e um joelho no chão.
Abre os braços em boas-vindas
Um com todas as fivelas atadas.

Num canto canta um
E noutro não descansa nenhum.
Mas a princesa, caprichosa,

Que escolhera para seu regalo,
Disse com uma voz calorosa:
"Não quero príncipe nem vou amá-lo."

terça-feira, 12 de junho de 2018

"A crueldade da dor — gozar e sofrer"

Após ter perdido duas batalhas
Um capitão
Junta os soldados - os que sobram -
Para lhes dizer que ainda não acabou a luta.

Após o noturno deboche tresloucado
Uma puta
Acende um cigarro leve
E recolhe com vagar o seu soldo.

Após lhe ter sido enterrado o filho
Um pai
Recolhe-se pensativo num abraço
Que uma mãe nunca pode receber.

Após ter cantado de bebedeira
Um santo
Vai beber raios do amanhecer
Numa missa muito opinada.

Após chegar ao fim
Uma vida
É feita do prazer que há na dor
E das agonias da alegria.

quarta-feira, 6 de junho de 2018

A lenta passagem do tempo (mas que nós notamos todos os dias)

Em todas as manhãs olhamos ao espelho para arranjar alguma particularidade das nossas feições. Vemos-nos todos os dias e sem exceção apontamos-nos defeitos em terceira pessoa. É a nossa cara de cada dia - a mesma de ontem e igual à de amanhã.

Com um pouco de olhar atento e pormenorizado conseguimos ver o cansaço a entranhar-se lentamente, em cada dia, no canto dos olhos, nas pálpebras, na rigidez das maçãs do rosto. As feições do nosso sorriso estão hoje mais profundas em cada nova ruga rabiscada na tela da nossa face.

Sabemos que é um combate perdido e que todos os remédios são remendos de prevenção ou de angústia de emergência. Amanhã estaremos a queixar-nos novamente - seja do rosto ou do decaimento contínuo do contentor da nossa alma.

No fim disto tudo a única cova que nos dará as boas vindas não está vincada nos traços dos sorrisos das pessoas que nos conhecem, mas no choro dos nossos filhos e na palidez do velho rosto espelhado nos seus olhos.

sábado, 26 de maio de 2018

Proto-problemas

Se viesse alguém fazer de conta
Que para lá do céu há coisas maiores que nós,
Lhe diria que deixasse de pensar nessas coisas.

Cá onde estamos temos depressões,
Crises de ansiedade,
Choros desmedidos pelos problemas das
Dívidas,
Mortes de familiares,
Fracassos profissionais
Ou romances falhados -
Que são nossos e de ninguém maior.

A pequenez dos nossos problemas
Todos juntos é enorme.

O alívio da resolução de uma coisa
Que é capaz de nos tirar o sono
É o prelúdio de mais sono por dormir
E de fracassos por vir maiores ainda.

E cá continuamos a sonhar
Que para o infinito após o céu
Há algo maior que nós;
Com satisfação maior para nos dar.

terça-feira, 22 de maio de 2018

Pomar

Olhos subnutridos,
Que ao colo frágil
Esperam o pai que almoça,
 Viram quantos ismos houve para ver
E cada pincelada branca na tela cheia.

 Viram presidentes da liberdade
E críticas realistas
De quem no rosto só sabe a idade.

Mas viram tempos passar
E tempos mudar.

Quem lhe comprar
Um quadro desconhecido
Verá outra coisa certamente.
E por ser assim
Era o mais diferente.

~
Tão cedo não há de cá passar
Outro assim tão igual,
Outro alguém como Pomar.
 ~

sábado, 28 de abril de 2018

Só penso nela a toda a hora


Não sei quem és
E não sei quem serás,
Para me pores assim
Na alegria que me dás.

E não há um segundo
Desde que te conheci
Em que chegue ao fundo
Sem saudades de ti.

Sorrio quando vens
E dou-te um beijinho.
Tanto amor que tens
Nem deixo um bocadinho.

Conto-te memórias passadas
E sonhamos com o futuro.
Tantas as tardes contadas
Ao teu ouvido com sussurro.

Por em toda a noite te dizer sim,
Amanhã não te posso falar.
O que seria de mim
Se fosse homem pra recusar.

Venha o destino sisudo
Afastar-me de ti,
Que hei-de no fim de tudo
Olhar-te como quem ri.

sexta-feira, 23 de março de 2018

Sentimento intemporal

Acordo cedo nas manhãs.

Cumpro as tarefas do dia a dia
Para garantir estabilidade.

Tomo almoços nutritivos porque olho por mim
Partilhando mesa com os amigos
Para poder olhar por eles.

Tenho objetivos escaláveis para garantir
O argumento de estar neste mundo
Com algum propósito.

E contudo sou miserável
Porque um poema teima em ficar na cabeça
E uma específica interação social
Num dia longínquo me correu mal.

terça-feira, 13 de março de 2018

Tu

Tu.
Que te ocupas com um fascínio qualquer.
Que bem fazes ao mundo por acordares.
Que proteges o conforto dos que te rodeiam.
Sim - tu - ó magnífico; ó necessário magnífico.

Que te sentas nos bancos dos jardins com o céu encoberto
E rezas pelos teus que já morreram.
Tu que não tens por hábito usar a negação
Mesmo quando o "sim" te é adverso.
Tu que fazes da vida uma avenida
Cruzando ruas e bairros de temperamentos variados.
Que descobriste tu nesta passagem plana?
Nesse rodopio invulnerável às emoções negativas?
Tu...
Tu - ó alma imune a experiências fracassadas.

Faz-me ver o amanhecer e o anoitecer como duas coisas iguais
E sonhar com o calor das tardes de verão
Nas tarde frias passadas naquele banco de jardim.
E não me deixes dizer "não" por eu ter medo
E pára-me antes de eu começar a enumerar.
Sim - tu. 

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

O amor, como um caça bombardeiro F16 atacando o meu coração

O amor, como um caça bombardeiro F16 atacando o meu coração,
Faz com que qualquer oposição seja uma inutilidade rendida.
O posicionamento tático das emoções extingue-se logo aquando
Da explosão inevitável dos morteiros de sentimentos flanqueadores.

Ao ataque dos pensamentos noturnos paraquedistas na retaguarda,
Tenta a mente responder com suporte de unidades de artilharia
De sensatez e bom senso, apenas para serem bloqueadas pela
Brigada de emoções contraditórias e de desgostos antecipados.

No final da guerra apenas a história de quem ganha é contada.
"Foi assim que me apaixonei - foi simples e belo e para sempre".
Mas o amor no fim de tudo esquece-se de quanto custou vencer.

Há memoriais aos soldados caídos, às paixões falhadas,
Às investidas que caíram nas armadilhas da meditação excessiva.
Há sangue e morte e noites sujas nas trincheiras de quem se apaixona.

domingo, 28 de janeiro de 2018

Amanhã

Ter preparações obrigatórias
Para coisas importantes da vida
E ainda assim adiá-las.

Isso é o que me define.
Nada me vale ter nascido aqui
Ou ter privilégios que nem todos têm.

É essa a minha inércia,
Que me contraria, por me prender
Quando tento avançar para lá daqui.

Ou que me suspira cá dentro
E diz que está tudo bem
Quando não está - e eu bem o sei.

E por fim é essa que me faz olhar desconfiado
Para a minha razão, que viaja sobre rodas
Num mar de coisas difíceis de entender.

domingo, 21 de janeiro de 2018

Poema anti-auto-interpretativo

Triste.
Triste.
Sou triste. Um acabado. Um vagabundo do sentimento.
Tenho farrapos de emoções.
A minha vida é um despojo de choros
Após dias de chuva feliz.

E quando me vejo a analisar-me
Julgo que vale mais a pena olhar para coisas hipotéticas.
No espelho pareço de carne e osso - reconheço-me
Como os outros me reconhecem.
Mas no pensar há qualquer coisa que recolhe
Dividendos de não se conseguir entender.

Bebo água porque dizem que faz bem e já se acabou
O vinho ou a cerveja ou o dinheiro.
Mas beber água é a razão da minha tristeza.
Beber água perpetua a falta de reconhecimento,
Que a noite é tão escura e a água tão clara.

E vejo-me acabado pelos amores, pelo meu amor próprio,
Pela falta de reconhecimento e por não saber ler
Aquilo que faz com que eu funcione neste mundo.

Já chega de poemas auto-interpretativos.
O que se escreve não é o que se lê.

sexta-feira, 5 de janeiro de 2018

O poder de criar

Pensar e escrever,
Mesmo sem querer,
É coisa de toda a gente.

Sentimento é coisa popular.
Quem vive é quem sente.

Mas sentir no papel
E ver a tinta a gravar
É simples como andar
Em petiz num carrossel.

Seja saudando a perda
De um amor passado,
Ou a trágica partida
De alguém chegado,
A tinta é dissolvida
Por uma lágrima perdida.

Querer mais do que isto,
Criando coisas à força,
É de génio do sentimento
Ou de vigarista publicado.

quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

Soneto das causas passadas

Lembras-te, amor, como fomos felizes?
Como vimos as almas um do outro
E jurámos entre sorrisos que a eternidade
Seria fácil de alcançar se nos mantivéssemos juntos?

Percorrias o meu rosto com a ponta dos teus dedos.
Trazias-me a primavera no teu pulso perfumado
Quando acordava nas manhãs húmidas de inverno
Agachado e quentinho entre ti e os lençóis de flanela.

Após o apogeu de tudo isto, que mais faltaria alcançar?
Velho amor, que seria de nós se não tivéssemos tudo?
O que ficou por ver não era o nosso encanto.

Que futuro será o desta gente - essa que faz perguntas;
Que desenterra amores antigos e não os deixa acabar?
Por não haver resposta, guardarmos as memórias das coisas bonitas.