sexta-feira, 31 de maio de 2013

Tríplice

Acalma minha alma o desespero.
Vi-te passar e não disse nada,
talvez por achar curto o erro
de falar consciente contigo calada.

Anima minha voz quem me cansa.
O teu cabelo nada ao mundo diz,
mas contrário é o gesto que amansa
tua seda pendurada quando sorris.

O que sorri é meu espírito amado.
Três é o número da tua felicidade,
nas três vozes e nos três gestos
da grande sombra que é a saudade.


sexta-feira, 24 de maio de 2013

A minha vida é o pior suicídio

A minha vida é o pior suicídio.
E o pior é que sou feliz,
com alegria em minha volta
e a voz suave de quem me diz

"É tempo! Faz-te à vida, rapaz!".
A vida faz-se a mim e eu nem pedi.
Espanca-me com a piedade do tempo
e ilude-me com a doce brisa de ti.

Viver é a única coisa a que não presto,
tirando isso, sou bom a tudo.
Nunca fiz sofrer e nunca sofri,
apenas com o sofrimento me iludo

na bonança temporal de viver.
Falam da vida como se falassem
do sonho. Falam a dormir,
como se no sonho amassem.

(A vida é sentir o coqueiro em colónia,
abraçar o choro na solidão
da franja sóbria esticada,
é pedir o que os poetas não dão.)

É tempo.

terça-feira, 21 de maio de 2013

Sou fraco

Sou fraco, mísera criatura.
Desenquadrado da vida
(esta vida que não me pertence),
destinado à triste ruptura da inocência.

Eu nada mais sou que um bicho
baixo da rede de alimentação,
que não sobrevive à Terra sequer.
Vou morrer e nem vivi.

Nada me entristece e tudo parece bem.
O problema é não ter problema,
o problema é viver dependente do problema!
Nada sou e para nada vou.

Quero força, mas força inteira!
neste suicídio que é viver,
nesta alegria constante de morrer
e nunca parar o coração.

Pára coração, não vale a pena!
Esforças-te para tudo acabar,
mais vale então começar.
Chamem o mundo à minha beira

para que vejam alguém a viver,
para que vivam a morte que é deles!
Ninguém deseja a morte para depois,
que os desejos são momentos.

É condição estar condicionado!
Ou que os desejos desinibem a áurea
humana que é ser limitado?
Nada é errado se é desejado.

Quero viver, duplamente!
Quero desejar a morte, quero-a já!
Viverei sem nada, sem rima.
Desejarei a vida, que já acabou.

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Pássaros

A vida, se quisermos,
não tem ritmo.
É um pássaro sem bico
que voa e canta mudo:
voa para onde nunca
esteve, para o fim
do mundo, talvez.
A vida não tem sentido!

Os pássaros, os que voam,
seguem rotas e rumos,
todos juntos, com canto
aleatório e sistemático.
As vidas, as que sobram,
quebram-se na procura,
porque aos pássaros a morte
se destina em outro lugar.
À vida nada se destina.

Não há vida na vida...
Não há alma no corpo
se não a quisermos nem
mistério na morte se não
a temermos de feição.
Há melodia na vida
dos pássaros, não
por natureza, ou por serem
animais, mas por serem
pássaros e voarem.