sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Dona Henriqueta que cuida dos efémeros

Dona Henriqueta: faça o favor de chegar aqui.
Ao meu colo encontra um envelope, selado
E com um conteúdo escrito especialmente para si.
Quero que regue as flores que estão aqui ao lado.

Estou a morrer e, sabe Dona Henriqueta santa,
Nesta cama final só há dúvidas e arrependimentos.
Tenho pena de ser eu assim. Tenho frio: dê-me a manta.
Vivi, amei e chorei. Na falta de mais, tenho esses momentos.

Vi tudo o que o mundo me quis à vista mostrar.
Senti a brisa fina e a doirada manhã sem lhes tocar.
Sorri sempre para si ao dar-lhe estas cartas
Que, agora no fim, não vale nada atirar as setas.

Mas você, tenra Dona Henriqueta assistente,
Tanta vida viu partir que nem enxergou a sua a acusar.
Abra o olhar que ao seu redor nada a está a enganar.
Somente você, jovem Henriqueta, vive a vida intermitente.

Cuida de nós, efémeros, e vê-nos como gente.
Em si há bondade, consigo-o ver claramente -
Mas a bondade apenas redunda em coisa nenhuma.
Cuide de si, ajude os outros: seja feliz, em suma.

sábado, 2 de agosto de 2014

Calem-se os sonhos

Calem-se os sonhos
Que gritam "É HOJE!".
Guardem a força
E voem para longe.

Aqui ninguém vos ouve.
Aqui ninguém ouve ninguém;
Aliás: aqui nunca houve
Quem quisesse ver além.

Velhos conservadores
(Cheios de cegueira reveladora)
Nomeiam com horrores
Os sonhos proibidos.

Esses últimos, nos idos
De quem jura a mentira,
Abrem a vida de quem
A vida aos outros tira.

Gritem. Soem eroticamente
Aos ouvidos desses velhos.
Perversos como são,
No final, enfim, morrerão.