quinta-feira, 28 de maio de 2015

Poema fatalista

Exacto. Estou morto.
Nunca vivi sequer.

Ao passarem por mim,
As pessoas desviam-se por compulsão.

Sou desagradável à vista.
Faço sofrer os sentidos todos:
A minha pele engelhada,
A minha voz azeda e crassa.

A minha vida toda é a ambição de
Amanhã poder acabar com ela.

Seguir o rumo das estrelas
Como um marinheiro do século quinze.

Vislumbro a morte pessoal
No dia que se segue à morte funcional.
Se as coisas forem assim,
A vida é a coisa mais bela que encontrei.

sexta-feira, 22 de maio de 2015

Para sempre pequeno

Quando eu era grande, só queria ser pequeno.
Não via futuro nas coisas vãs do mundo
E os grotescos homens que me acompanhavam
Não transbordavam bondade para ninguém.

Um dia fui para a cidade e parei de crescer.
Somente isso. Uma dolorosa ruptura instanciada
Pelo estudo das coisas todas que aprendia,
Quais me faziam compreender tudo o que não
Compreendia e me retiravam daquela confortável
Ignorância platónica onde tão bem sabia estar.

Aprender é ficar adulto para sempre. A-E-I-O-U.
(Mas ninguém fica permanentemente garoto e as
Garotices são sem dúvida coisas de gente crescida.)

Classes, objectos, linguagens de computadores?
Sistemas digitais e bases de dados relacionais?

Nada me admira eu andar a aprender a falar
Com máquinas absurdas. Afinal, as máquinas
Ficam para sempre crianças na sua absurdez.

quinta-feira, 14 de maio de 2015

Trovador apaixonado

Encerra a guitarra, trovador,
Pois o Mondego está a descer.
A multidão segue o andor
E a ti ainda te custa a crer.
Saudade, ecoas com emoção.
Verdade, pedem-te em união.

O que te faz continuar, trovador?
Se for a cidade, porque te
Encostas naquela Quinta do amor?
Lá há turistas e nenhum estudante.
E da tua feliz garganta afinada
Sai muita coisa mas não sai nada.

Quem queres ver passar, trovador?
Decerto não mudas de poiso
Pois adquiriste a rotina do teu amor.
Ah, o amor! Esse danado coiso!

segunda-feira, 11 de maio de 2015

A tragédia do amor

Num pequeno gesto
Dá-me
Esse resto
De amor.

Cala-te para sempre
Enquanto,
Quente,
Me dizes tudo.

Segue por fim só e forte:
Na estrada
Do fim;
Da morte.

Viver são sinapses e,
De tempo
A Tempo,
Hematoses.

Aí entendi.