sábado, 30 de março de 2013

Apenas tem um pouco de fé

Acordas e sentes um vazio de alma, de identidade. Um súbito momento - o momento em que despertaste, em que o teu corpo deixou de estar num estado de sonolência para passar a realizar metabolismos biológicos, orgânicos e neurológicos - foi o suficiente para que uma nova realidade se instalasse em ti, que crescesse exponencialmente, que ocupasse toda a tua preocupação momentânea. Pensas vagamente em tudo o que fazes durante o teu dia: levantas-te, vestes-te, comes, trabalhas e, em instantes que deveriam ser de distracção, finges estar entretido por um aparelho multimédia. Com o pensamento vem a sua consequência: descobres que tudo isto, estes costumes diários, esta rotina deambulatória, não te preenchem, não te definem nem fazem de ti o que realmente queres ser. Sentes-te angustiado, asfixiado pela realidade que te atinge tão friamente, tão eficazmente e repentinamente que um tiro, nesta situação, parceria uma leve carícia. Choras em vão por saberes de ti pouco mais que o teu nome: nome esse tão próprio que nem foras tu que o escolheras; choras por seres o resultado de sonhos passados, de angústias e devaneios de outras pessoas, por te veres condicionado e guiado por opções que não foram feitas por ti, foram feitas por quem, durante este tempo todo, chamaste "pais". Ocorre-te, porém, que essa revolta pela tristeza abafada e pelas lágrimas amainada pode mudar alguma coisa que, com esperança, se possa transformar em tudo. Por pensares de modo tão inquieto chegas por fim a uma conclusão: todas as perguntas que podem ser feitas cabem noutras duas que não podem ser feitas: "Quem sou eu?"; "Porque sou eu?". A chegada racional a estas interrogações param o desespero e a ansiedade porque a sua impossibilidade de terem uma resposta imediata te obrigam a, continuamente, progressivamente, ao longo de um tempo de vida, procurares a tal solução. Ainda deitado, mas mais desperto, concluis que cabe a ti preencheres a tua vida, a tornar cada dia único, cada momento inesquecível, cada memória sorriso. Apercebes-te como é difícil alcançar a facilidade de ser feliz, mas o desejo em ti implantado faz-te um brilho nos olhos que certamente te firmará um sorriso verdadeiro e único nos teus lábios ansiosos por dizer a frase "sou feliz". E é nesse preciso instante que estás deitado numa cama no centro do teu universo, com um sorriso inexplicável na cara, com a força de mil cavalos dentro de ti para iniciares a jornada que é dar um sentido à vida.

Deus est solus scrutator cordium.

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