domingo, 21 de abril de 2019

Com um copo me arrasto


Com um copo me arrasto;
Com dois copos me alago.
Com a vida me embebedo:
Não sei guardar segredo.

No asfalto ao longo da rua,
Vista dum alto distante,
Passa a cidade triunfante:
Corre ébria a noite nua.

"Anda-a ver ao terraço!" -
Puxa-me por um braço
A vontade de lá voltar,

Que me diz a sussurrar
Para trás estar voltado
E olhar os olhos do passado.

sexta-feira, 8 de março de 2019

Perdido nas tuas colinas

Perdido nas tuas colinas
Encontro-te no teu olhar.
Me encantas e ensinas
Levemente a suspirar.

Nas encostas do teu rosto;
Claro, sereno, dominante,
Dura um beijo triunfante
O tempo que é suposto.

Nasce o sol no teu cabelo
Luminoso como a manhã.
O meu verão és tu a sê-lo:
Quente como tua mente sã.

Que ribeira o teu vestido
Desaguando nos teus seios;
Ligeiro, desce sem freios -
Com o gosto do teu sentido.

O sorriso que tu me dás
É a natureza do que és.
Faz a Deus perder a força
Pela força que ele já fez.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

Máquina de estados



Nasceste com um fim desenhado
Por quem inda nem o teu nome sabia.
Foste forte e mulher quando eras criança.
As vivências dessa idade próprias
Ficaram por brincar
E cedo cuidaste de quem de ti devia cuidar.

Fez-se da treva um amanhecer novo.
Morreram os antigos
E tu com a juventude tardia por enfrentar.

Parecia que ficara algo por compensar.
Que as experiências que não viveste
Seriam parte integrante do que te definia
E da mulher que ousavas poder ser.

E lá foste tu
Até quereres dizer que não e já não poderes.

Novamente nasceste com um fim desenhado
Num papel trovado com tinta
De um tempo passado que se voltará a repetir.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

Todas as minhas ações


Todas as minhas ações
Ficam a metade
Daquilo que podiam ser
Com alguma vontade.

E mesmo avistando o fim
Há qualquer coisa que falha.
É o último passo que ganha,
A mim é que não calha.

Amanhã é um dia novo,
Eu é que não me movo.
Colho a dor à partida

Porque nunca vou chegar.
Tão ruim se faz sentida
A vontade de no fim voltar.

domingo, 27 de janeiro de 2019

Depois dos 20 anos entra-se na pré-morte


Sentado no meu sofá
Vejo, paciente,
Esta coisa do tempo
Que passa sem ninguém
A incomodar.

Tão desinteressado
O momento atual
Se torna, tão certo,
No momento que vem.

E aquele que veio,
Antes daquele que passa,
Também já foi outrora
Um momento
Cheio
De esperanças de tantos,
De angústias de alguns,
De certezas que haveriam de vir,
De trabalhos que ficaram por fazer.

Mas eu estou sentado aqui
Deixando a vida passar,
Porque ela passa sempre.

Nem atento ao lado de fora
Da janela da sala,
Nem esperando ninguém
Que me bata à porta de casa.

Reconheço esta
Configuração específica de coisas
Que provoca,
Por consequência,
Outra nova.
Não ignoro.

A minha coragem esgota-se
Por reconhecer as semelhanças entre
Estar sentado aqui, no meu sofá,
No conforto do momento presente,
E estar sentado sobre os dividendos
Do trabalho que ainda não fiz.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Introdução à vida e felicidade: exercícios resolvidos


Entrei numa livraria da minha cidade;
Perguntei ao livreiro se tinha um livro
Que me mostrasse a vida e a felicidade.
Com teoria, que é com essa que me sirvo;

E com alguns exercícios para praticar
Para o exame que há-de chegar.
E também alguns exemplos
De quem já viveu esses momentos.

Importante seriam umas anotações
Com opiniões do autor do manual:
Assim ficava a conhecer as razões
De estar incluído um capítulo do Mal.

Ou porque é destacado o Amor,
Que é tão próspero a tantas leituras.
E porque escolheu tornar múltiplas
As razões de viver, com ou sem Dor.

E que haja no fim uma conclusão
Para quem é mais apressado.
Com um resumo do que foi dito
Para que não passe nada ao lado.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

Follia


Veste-te com as roupas de Milão,
Encontra um amor de Veneza.
Come o que Nápoles te oferecer
E deixa Roma mostrar sua grandeza.

Que eu me vista com trapos da feira
Para que, com roupa alta costura,
Possas brilhar nas noites em que durmo.
Conquista corações, sê a prevista rotura.

Que eu fique sozinho para sempre
E encontres quem no infinito esteja
Na sua grandeza a viver para ti.
Sê antípoda eterno da solidão.

Que eu passe fome como um prole
E tu comas caviar e camarão.
Deixa-te alimentar até não conseguires
Falar do que comeste de manhã.

Que eu seja pequenino e um
Mísero insignificante. Sim.
E que tu me olhes de cima, com rancor,
E me corrompas irrecusavelmente.