quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Escrever

Escrever é sentir com os dedos. Observar o real e tornar a ficção em algo que paralelamente o complementa. É fazer sonhar o leitor, dar-lhe acesso a uma chave que abre todas as portas de um mundo gigantesco, maior que este onde vivemos e sentimos. É modificar uma dor sentida e poética noutra qualquer acessível a todos os interessados a viver para além das palavras. Uma dor suja que se torna num velho à chuva ou num céu azul feliz, servindo de recreio à imaginação de quem lê. É sofrer como quem quer sofrer, usar comparações inadequadas e um vocabulário rigorosamente elementar, com explicações sentidas e feridas no papel branco manchado de tinta preta. É contrastar o sangue ardente e flamejante que segue nas veias e, numa vontade incessante, querer que estas escorram tinta preta; sempre preta: o luto inerente à arte poética e à solidão magnífica. É falar mal e não saber o que se diz concretamente, responder a questões sem lógica, dúvidas que permanecem durante fracassos seguidos e permanentes até se amontoarem num acúmulo de desespero e indignação trazido pelo sucesso tardio.
Na verdade, quem escreve nega o seu bem mais precioso: sentir. Quem o julga poderá afirmar que tal não é verdade e que a escrita subjectiva o contradiz etimologicamente. Mas só ele o sabe, só ele sente o que não sente, apenas ele deve dar encanto aos cantos perpendiculares da sua folha com alegorias e figuras imaginativas e criativas. Não se limita a transgredir o real, nem a obstiná-lo, apenas o usa para contentamento geral, para hilaridade comum. Quando finita o seu Destino, acabam os sonhos ou tudo aquilo que até antes nunca tinha acabado. Nada continua excepto o seu nome, o seu nome requintado e utilizado para outro contentamento geral, gozando de um estatuto de mártir quando na verdade era apenas um doido desajustado a uma regra social desadequada, vivendo num hospício sem a ele pertencer.

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