quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Furiosamente escrevo dois ou três versos

Furiosamente escrevo dois ou três versos.
Paro contemplativo e ambiciono o dobro.
"Talvez esteja bom assim, não tem rima mas está bom."
E para me ajudar, uma sala escura embainhada
Na luminosidade que o ecrã transborda.

Esses versos iniciais eram sobre o quê?
Sobre um ministro do leste corrupto que tinha
A filha doente? Ou sobre o amor parvo e ardente?
Sobre o céu decadente que se abriu hoje em enxurrada?
Sobre Deus e as razões de tudo isto existir?
Sei só que eram furiosos; maquinalmente arquitectados.

Com compasso e régua, que são a ponta dos dedos no laptop,
E sem um dicionário de sinónimos pertinente,
Escrevo o que devo escrever que é o que não quero sentir.
Sinto muito quando não estou a jeito de pegar na escrita.
Escrevo muito quando não estou afim ao pensamento.
E tudo isso é lixo caótico e irresponsável.

Tudo isso é uma folha amarrotada e arremessada
Sem sucesso ao lixo diagonal à minha posição;
Tal como é oblíqua a matéria da escrita composta e confusa.

Levanto-me. Recordo-me dos versos de abertura automática
E recupero o papel amachucado. A caneta afinal é digital
E a folha não tem um significado físico, somente electrónico.

A electricidade flui compadecida pela electricidade que flui
Nos meus neurónios ímpetos, ora o design da primeira é
Por esta última desenhado, testado e, se tudo correr bem, aprovado.

Voltemos àquela sextilha de imagens entre digital e analógico.
Há quem apenas confie no analógico que guarda tudo afastado
Dos grandes centros de dados e da acessibilidade facilitada.
Mas eu não. Compreendo criptografia electrónica e guardo tudo
Neste sítio composto de unidades e nulidades - bits e words - e
Daí para a frente é sempre a exponenciar o potencial expoente.

Vejo-me forçado a concluir o que nem chegou a iniciar.
Vejo-me esmagado pelo tempo que ora não passa,
Ora já nem estou a pensar nisso, que há coisas consequentes.
Isto não tem consequência.
Um trabalho tem.
O mundo e as suas necessidades têm.
A única consequência disto é não definir "isto" e deixar tudo
Aos únicos cuja consequência impossível pode afectar.

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