quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta

Entre fumos psicóticos e líquidos de evaporação rápida,
Ele senta-se para escrever qualquer coisa sob a ampla janela.
Desvia o olhar para cima durante dois segundos e contempla.
É a rua de sempre, preenchida pelas pessoas de sempre.
É sobre isso que vai escrever e o seu coração
Cruza-se como as linhas da calçada.

A mansarda está fechada; é domingo de manhã.
Se existisse naquele estúdio alguma vista para o céu,
Que mística universal poderia o poema conter?
Mas é a imaginação que reina e que faz os homens tremer.

As pessoas lá fora são previsíveis: ninguém se desamarra
Da rotineira pressa ou do inevitável consumo dos vícios
Urbanos que tão bem empregam o dono da Tabacaria habitual.
À porta, os clientes param dez ou vinte segundos para acender
O cigarro: o primeiro daquela nova viagem de pacote a estrear.
Uma ou duas tentavas de combustão de fósforo, uma degustação
Primária do fumo que não se inala e uma contemplação
Do cigarro com a ponta incandescente por inteiro.

Acena o poeta a este! Ora lá vai mais um de parecenças!
É a vida moderna - assente naqueles lugares que bem conhece.

Mas a vida movimentada e previsível só dá acaso à análise
Se esta última for percebida do lado de dentro,
Enquanto sentado à beira da janela e rabiscando algumas estrofes.
As imagens que escreve de acordo com as helénicas ou românicas
Divindades, ora nefastas porque lhe é quebrado o ritmo, ora nobres
Porque assentam num crescendo literário, são apenas imagens
De um livro sem ilustrações para o qual só nasceu o Poeta
Observador da Tabacaria defronte na rua.

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