quinta-feira, 27 de junho de 2013

Inicialmente

Se tudo fosse poesia,
nada alma própria teria.
A condição do poeta
é ter alma nas coisas:
em cada alma; em cada coisa.

À religião da lírica
nada lhe é sagrado.
Tem os livros dos 
que fazem poesia
e a fé de quem lê alegria.

Mas na última estrofe
não faltam conclusões -
e por vezes uma abertura
que ao ler é fechada.
Se a poesia fosse alma, o mundo acabava.

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Romantismo bárbaro

Quero ser eu no máximo
esforço da razão perdida!
Esquecer a realidade,
tão curta quanto a medida
da cortina da vaidade.

Ser Miguel sendo Pedro!
Tomar a vida por emoções
e entregar a fúria Divina
ao desleixo puro das sensações.
Querer tomar arte por certa

e a ciência por dúbia sincronia.
Até ao fim de mim ninguém será
mais que qualquer História suma.
Serei, por agora, o que procura
desconhecer verdade alguma.

Desespero fechado

A unha que em meus dentes roça
já está gasta de muito pensar.
O olhar que olha defronte a nossa
parede branca ficou em lá chegar,

ao fim do pensamento, existente
na cor que em minha frente
se acumula e esquece que os avós
são pais e parente de todos nós.

Deforme-se a unha e o olhar!
A vida é tempo, comprido e atroz!
Veremos quem mais terá a pesar
na balança celeste, se eu, se nós.

terça-feira, 4 de junho de 2013

Poema radioactivo

No centro tudo é perfeito.
                                             Tudo é uno...
                                                                            Nada expira nem prevalece.

                Mas separa                                                                                  o rosto imaginado

                                                     Pesa-me
                                                 o coração por
                                         me condensar na dimensão
                                      sistemática de querer imaginar.                                    
                                          É todo o dia noite assim,
                                               e custa passá-la
                                                     sem mim.


 na folha
                                                                 na caneta
                                                                                                  na escrita que passou.

sábado, 1 de junho de 2013

Quinze minutos sono adentro

Deitei-me sóbrio na conclusão de chegar por via do adormecimento até ti. Sabia que haverias de chegar bela, sinuosa, pela rua que eleva a condição de cidade a marco de identificação ideológica, que chegarias no teu pé de dança doirado, descalça pela noite. A rua, toda ela de calçada preta e argilosa nas bordas que delimitavam a tua paixão fervorosa de estaca meia do meu pensamento, enche-se de luar brilhante, pois tu, Lua sim, beleza sim, preenches o universo por coexistência acidental. E amas-me, e aproximas-te, e beijas-me. Em vão, que tudo é limitado por momentos, todos eles encadeados direccionalmente para um momento geral que não é mais que um particular intervalo de tempo, delta o chamam, minúsculo para o infinito mais pequeno, maiúsculo para o infinito que não se conta, ávido sol de pouca dura do que fazemos onde não estamos e do que queremos fazer porque estamos, pelo menos, na árvore da vida. E massajas-me o rosto com as mãos suaves de algodão, e encaras-me directamente no olhar, e aproximas-te, e beijas-me. Não sintas o meu afecto que ele é duvidoso; não beijes meus lábios pois minha alma encontra-se num mar de podridão, não me amas porque não existe amor.
Um paraíso estendido ao sonho de acordar mais tarde, quando a realidade desaparece.

Aequalis aequalem delectat.